domingo, 29 de julho de 2012

SÃO PEDRO E O DIABO - Recontando Contos Populares

Um velho caboclo contou-me um causo que se deu há muito tempo. Nessa época São Pedro morava perto da casa do diabo. Nos fundos de sua chácara, São Pedro mantinha uma grande plantação de batatas doces. Quando chegou o tempo da colheita São Pedro, de manhazinha, no nascer do sol, chamou o diabo e perguntou-lhe:
— Você quer ajudar-me a colher as batatas? Eu lhe darei metade da produção.
O diabo achou que era bom negócio e respondeu:
— Quero sim. Vamos até lá.
Ao chegarem onde estavam plantadas as batatas doces, São Pedro perguntou ao diabo:
— Agora, você escolhe: quer ficar com a metade que está acima da terra ou com a metade que está embaixo da terra?
O diabo respondeu:
— Ora essa! Quero ficar com a metade acima da terra!
São Pedro concordou:
— Está bem; pode colher sua parte que, logo, virei colher a minha!
Dito e feito. Depois que o diabo cortou todas as ramas de batata doce e as levou para sua casa, São Pedro voltou ao terreno e arrancou as batatas, levando-as consigo. Satisfeito, deu um grande almoço e até convidou o diabo para comer à sua mesa. O diabo, que não pode comer as ramas colhidas, ficou com muita inveja do santo, prometendo a si mesmo que se vingaria.
Passados alguns dias, São Pedro encontrou-se novamente com o diabo e perguntou-lhe se queria ajudá-lo a colher repolhos de sua horta. O diabo aceitou imediatamente, mas foi logo dizendo que dessa vez seria ele a ficar com a parte de baixo da terra. O santo concordou e esclareceu que, diante disso, iria colher sua parte e deixaria a do diabo no terreno.
São Pedro foi até a horta e colheu todas as cabeças de repolho, deixando para o diabo somente as raízes.
O diabo, que não gostava de fazer bobagens, "passado para trás" outra vez, sentiu redobrada vontade de vingar-se do santo e aceitava todos os convites que este lhe fazia para colher os produtos de sua chácara, mas nunca acertava na escolha: quando a planta dava em cima da terra, ele preferia a parte de baixo; quando dava embaixo, ele preferia a parte de cima. Foi assim que fizeram as colheitas de aipim, de alface, de amendoim, de tomates e de uma porção de coisas.
Até hoje o diabo está pelejando para ver se engana São Pedro, mas não consegue. Dizem que com o diabo ninguém pode, mas dessa vez ele foi logrado por São Pedro. ®Sérgio.

MAIS QUE ORGANIZADO...


OS TIPOS DE METAPLASMOS

As mudanças mais comuns na fala espontânea ocorrem com acréscimos ou decréscimos de fonemas que geram outra forma de falar a mesma coisa.
Prótese – acontece quando acrescentamos um fonema no início da sílaba. Encontramos a prótese em: voar => avoar, lembrar => alembrar, entre outros. Na escrita remos aglutinações do tipo: de repente => derrepente, a cerca de, acerca de.
Epêntese – ocorre no meio da sílaba. Hoje podemos encontrar em: asterisco no lugar de asterístico, beneficiência no lugar de beneficência, prazeirosamente => prazerosamente.  Por sem formas correntes na linguagem oral, algumas epênteses já são variantes dicionarizadas.
Aférese – acontece quando eliminamos fonemas no início da palavra, em casos como: tá => está, cê => você, inda => ainda.
Sincope – ocorre quando eliminamos fonemas no meio das palavras: padinho => padrinho, nego => negro, memo => mesmo, coscas => cócegas. ®Sérgio.

OS METAPLASMOS

Desde a origem de nossa língua têm ocorrido transformações fonéticas e ainda hoje persistem na fala espontânea. A Linguística Histórica chama esse desvio da composição fonética da palavra de metaplasmos.
O professor Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1904 – 1970) a respeito dos metaplasmos, dizia:
"A língua é o meio pelo qual o homem expressa suas próprias idéias, as de sua geração, as da comunidade a que pertence. Ela é, enfim, um retrato de seu tempo. Cada falante é usuário e agente modificador de sua língua, nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com que se depara. Nesse sentido, podemos constatar que a língua é instrumento privilegiado da projeção da cultura de um povo, enquanto conjunto das criações do homem que constituem universo humano." ®Sérgio.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O EXÓRDIO

O exórdio (do Latim exordium = começo) e a parte inicial de um discurso oratório; recebe também o nome de intróito, preâmbulo, prólogo, prefácio.
O exórdio contendo a introdução do discurso, objetiva "ganhar" a simpatia do público para o assunto do discurso. Pode se apresentar de duas maneiras, dependendo do grau de defensibilidade da causa:
Proêmio, quando simples e direto.
Insinuação quando impetuoso, veemente, insinuante.
"No exórdio o orador seleciona, de modo sintético e direto, os fatos que convém e os focaliza da perceptiva que mais lhe favorece o intento, emprestando relevo a alguns e minimizando outros" (Heinrich Lausberg, Manual de Retórica Literária, tr. esp., 1966, vol. I, p. 261). ®Sérgio.

O TEXTO ARQUÉTIPO

O termo vem do grego archéypon = padrão, modelo. Arquétipo é um termo empregado na crítica textual, para indicar o texto que teria dado origem às outras cópias, reconstituível pelo seu confronto ou classificação dos textos em ordem cronológica. O crítico pode, baseando-se no conhecimento do autor e do texto original, sugerir emendas ou correções. 
®Sérgio.

O DISCURSO NA POÉTICA FRANCESA

Na poética francesa, o discurso (discours) costituia um poema didático, em versos alexandrinos, rimados dois a dois (aa, bb, cc, etc.).
Foi introduzido por Du Bellay em 1559 e desenvolvido por Ronsard. Voltaire consagrou sete discursos em versos ao Homem, e nas Méditations Poétiques (1820) Lamartine destinou uma composição a Imortalidade. 
®Sérgio.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

VELHICE


LOIRO OU LOURO?

Tanto faz. Ambas as formas são igualmente usuais, pois são formas variantes, para designar a cor de pelos humanos que entre o amarelo e o castanho-claro.
A forma louro designa ainda:
Uma planta aromática: o loureiro. A folha do loureiro é muito usada como condimento e, foi muito usada entre os antigos gregos e romanos, na confecção das coroas dos vencedores de competições:
   Era uma árvore com frutas e flores em ramos de louro.
   O cozinheiro é viciado em folhas de louro.
Uma ave: o papagaio (designação comum). ®Sérgio.

DAR-SE AO TRABALHO ou DAR-SE O TRABALHO?

Ambas as construções são aceitáveis, mas a primeira é a que sempre mereceu a preferência dos bons escritores:
    Quem se der o trabalho de consultar... (Ciro dos Anjos)
    O homem dera-se ao trabalho de contar... (Cecília Meireles)
Variantes: Dar-se ao incomodo ou dar-se o incômodo, poupar-se ao trabalho ou poupar-se o trabalho, dar-se ao luxo ou dar-se o luxo. ®Sérgio.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O ENTERRO DO JACI

Aqui no sertão quando se vai levar um defunto para enterrar, não se pode parar para nada. O falecido tem de estar sempre em movimento. Se os caboclos querem fazer mal a alguém é parar com o finado na frente da casa dele. Se isso acontecer é desgraça na certa para os moradores. Por isso, os residentes da casa ficam "de olho" quando o enterro passa com o finado. Se há a ameaça de parar, até tiro de carabina é capaz de se dar. Dizem que se deve dar sossego o mais rápido possível à alma do defunto, para a alma dele não ficar com raiva, vagando pelo povoado.
A que, numa tarde, seo, não é que morre o Jaci. E então daí, o falecido tinha que ser enterrado. Logo apareceram quatro voluntários para carregar o finado até o cemitério. Botaram Jaci numa rede, passaram uma vara bem grossa e dois a dois foram carregando o falecido até o campo-santo. Saíram de tardezinha; vencido obra de meia légua, o sol se some, a noite vêem, e no denso, no escuro não dava para chegar ao cemitério; então, resolveram descansar e sair de manhazinha, no nascer do sol.
Ajeitaram o falecido num canto e "puxaram o ronco", menos o Dudu que não conseguiu "pegar no sono", ressabiado observando... A noite ia grossa quando vê uma coisa que o assustou forte; o falecido se levanta e vem caminhando em direção aos caboclos, passa por cima deles e segue no rumo do Dudu. Travou-lhe um medo e o caboclo rompeu nos gritos:
— Ara, mas será possível, meu senhor?! Pra cima de mim não! Por amô de Deus, Dudu! Vai pro seu corpo, diabo! Cruz credo!...
O berreiro do Dudu acordou os outros caboclos, que foram logo pedindo uma explicação para aquela vozearia toda. Dudu explicou bem explicadinho o acontecido e todos ficaram com "a pulga atrás da orelha". Um dos caboclos, preocupado diz:
— A, pois gente! Isso é castigo de Deus. O morto num descansou até agora porque a gente num enterrô ele, que deve tá puto da vida com agente! E o pior é que ele passou por riba de nós, sô! Isso é mau sinal. Queira Deus que certas coisas que o povo fala seja só pra assustar...
Um dos caboclos, um tanto incrédulo, tenta acalmar:
— Bobices, gente! Larga mão disso! Quem morreu, morreu! Num volta mais. O Dudu tava era com sonhação! Daquela hora pra frente ninguém mais dormiu.
Beirando aí às oito horas da manhã, os caboclos chegaram com o corpo frio e duro do Jaci no cemitério. Enterraram. Passaram num boteco para molhar a goela e se mandaram de novo, estrada a fora, cada qual pro seu canto.
Dê daí, compadre; o Dudu naquele ano teve, de uma feita, que fazer o enterro de mais quatro caboclos. Quem havera de supor! ®Sérgio.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O BESTIÁRIO

O termo vem do latim bestiariu(m) = besta, fera. Eram, durante a Idade Média, sobretudo nos séculos XIII e XIV, livros em prosa ou verso, que retratavam animais (verdadeiros ou ficcionais) considerados simbolicamente portadores de qualidades sobrenaturais, geralmente, ligados ao Cristianismo.
Vindos do Oriente, através de textos gregos, como o Physiologus ­- de autor desconhecido e escrito na segunda metade do século II, em Alexandria – que narra uma sucessão de histórias baseadas nos fenômenos da Natureza, divididas por quarenta e oito seções, uma para cada planta, pedra ou animal vinculados com a Bíblia. o Physiologus teve ampla divulgação no mundo latino e germânico medieval, a ponto de só perder para a Bíblia.
Apesar dos Bestiários evocarem um mundo de valores desaparecidos, deles se originaram mitos que vieram incorporar-se definitivamente na simbologia das artes, como o da fênix, para só citar esse exemplo. ®Sérgio.

A METÁFORA HIPERBÓLICA

Do Grego hyperbolê (excesso), é a figura do exagero deliberado, que leva o escritor a deformar a realidade exagerando de uma ideia, seja por amplificação, seja por atenuação, visando à obtenção de maior expressividade, quer no sentido positivo, que no negativo, segundo o seu modo particular de sentir. Exemplos:

   - Corria feito um raio. – A sua alma era um vulcão.
- Comi sem parar a noite inteira! – Sou louca pelos meus filhos.
Expressões como essas fazem parte das hipérboles do dia-a-dia e, por isso mesmo, seu valor estilístico praticamente já desapareceu, porque já se incorporaram ao falar cotidiano de tal forma que as expressões não provocam mais surpresa ou estranheza. Contudo, o valor afetivo dessas expressões, permanece. Na literatura, não raro, a hipérbole é usada como um recurso estilístico: Envio beijos, mas tantos beijos / Quantas estrelas há no Brasil. Nestes versos de Martins Fontes, é fácil sentir o efeito expressivo da hipérbole. ®Sérgio.

CATACRESE: A METÁFORA VICIADA

Do Grego katákhresis (= uso impróprio, abuso) e denominada abusio em Latim. A catacrese é uma metáfora estereotipada, mas obrigatória, por atender a uma necessidade de uso, e não por um efeito expressivo. De feição nitidamente popular, resulta a catacrese da ausência de um termo próprio para designar determinado objeto ou coisa (pernas da mesa, cabeça de alfinete, etc.). É um fenômeno da pobreza (inópia) do sistema linguístico, que falha diante da necessidade de designação de uma palavra, fazendo esta representar com base numa pura analogia, um objeto ou parte de um objeto para os quais não existem nomes de referência particulares; conduzindo-a, às vezes, ao estabelecimento de relações de semelhança, até abusivas e forçadas. Ou, existindo a palavra, no caso um termo exato ou técnico, substituí-lo por um menos formal. A catacrese aproxima-se da metáfora, ou chega mesmo a confundir-se com esta: Veja os exemplos:
- Barriga da perna em vez de panturrilha.
- Céu da boca em vez de palato.
- Embarcar num trem (embarca-se na barca).
- Enterrou uma farpa no dedo (enterra-se na terra).
- Braço de mar - dente de alho - pé de montanha.
Essas metáforas já foram incorporadas pela língua, ou seja, perderam seu caráter inovador, original e transformaram-se numa metáfora comum, morta, que não mais causa estranheza. Em outras palavras, transformaram-se numa catacrese. Porém será um deslize gramatical quando não vier duma necessidade, ou seja, quando o ser ou coisa já ostentar expressão própria; por exemplo:
- Bebeu a sopa, em vez de, tomou a sopa.
- Arrancou laranjas, em vez de, colheu laranjas.
 Fora daí, admite-se a catacrese como enriquecimento metafórico:
"Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; [...]." (Graciliano Ramos, Vidas Secas.) ®Sérgio.