terça-feira, 29 de março de 2011

A CASA DO CORAÇÃO

Seleta de Poemas representa as poesias que li e tocaram-me a alma. Assim, posso compartilhar com vocês as minhas preferências poéticas, ou homenagear autores que admiro.

A Casa do Coração¹
O coração tem dois quartos
Moram ali, sem se ver,
Num a dor, noutro o prazer.
Quando o Prazer no seu quarto
Acorda cheio de ardor,
No seu, adormece a Dor...
Cuidado, Prazer! Cautela,
Canta e ri mais devagar...
Não vá a dor acordar...
         Rüchert, Friedrich, (1788-1866). Poeta e filólogo alemão.
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1 – In O Livro de Ouro da Poesia Universal. Trad. Ari de Mesquita (org.). Tecnoprint, 1988.

domingo, 27 de março de 2011

O PRETÉRITO NO PRESENTE

"Melhor não haver Igreja que não haver hospital, porque a imagem de Cristo, que está na igreja, é imagem morta, que não padece, e as imagens de Cristo, que são os pobres, são imagens vivas, que padecem."
Padre Antônio Vieira

sexta-feira, 25 de março de 2011

A ESPERTEZA DE SEU VIGÁRIO

Contam que havia nos cafundós do sertão nordestino – em tempos que já se foram – um vigário que costumava percorrer a caatinga, montado num jumento ferrado e guarda-sol aberto, a fim de levar a palavra de Deus aos mais distantes fiéis.
Certa vez, já anoitecia, quando seu vigário, sem abrigo e alimento, conseguiu chegar a uma casa. Sem mais demora, pediu que lhe dessem algo para comer. Entretanto, o pedido do padre andarilho, foi, prontamente, negado. Sem perder a calma e de maneira cortês, pediu, então, apenas um pouco d'água para fazer uma sopa de pedra.
Curiosos, os moradores deixaram-no entrar e deram-lhe uma panela de água, na qual, o padre colocou uma pequena pedra lavada e levou a panela ao fogo.
— Isso com um bocadinho de sal seria um ótimo consolo – disse o vigário.
E deram-lhe o sal.
— Ora, bem que uns feijões aqui e ali viriam a calhar – teimava o padre.
E deram-lhe uns feijões.
— Para ter mais sabor, um pedacinho de toucinho, seria o ideal.
E deram-lhe o toucinho.
Assim, ele acrescentou ainda um fio de azeite, umas couves da horta, batata, alho e cebola, até que a sopa ficou um primor e foi consumida até a última gota.
Terminada a janta, seu vigário, muito do bonachão, retirou a pedra da panela, lavou-a, e guardou novamente na sua algibeira, para outras sopas de pedra. Tocou no crucifixo que trazia no peito e disse aos moradores:
— Inté logo, meus filhos! Deus os abençoe!
E foi procurar abrigo noutra casa. ®Sérgio.
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Nota Sobre o Texto: Este causo é antigo e conhece muitas versões. Há versões castelhanas, britânicas, brasileiras. Mas, para os portugueses, foi em Almeirim que tudo se passou.  

JANTA OU JANTAR?

A palavra janta não existe na língua padrão. O substantivo feminino é uma forma popular. Na linguagem culta, devemos dizer o jantar. ®Sérgio.

DEPOIS DE DOIS PONTOS MAIÚSCULA OU MINÚSCULA ?

Dois-pontos é um sinal de pontuação interno, ou seja, é usado dentro da oraçãoe não como pontuação final (ponto, ponto de interrogação e de exclamação). Portanto, você só irá usar maiúsculas - após os dois-pontos - quando se tratar de uma citação ou, evidentemente, de substantivo próprio:
•  O lema do governo JK era: "Cinquenta anos em cinco".
•  Disse o artista plástico: "Eu vivo para pintar".
•  Os políticos cassados foram: Ariel de Matos e Arlindo Nogueira. ®Sérgio.

quinta-feira, 24 de março de 2011

ACREDITE SE QUISER

O bispo Irlandês James Ussher (1581-1656) somou a idade dos profetas e fixou a criação do mundo na noite que antecedeu o dia 23 de outubro de 4004 a. C., às nove horas, um domingo, no calendário Juliano. Ussher calculou também o dia da expulsão de Adão e Eva do Paraíso (segunda-feira 10 de novembro de 4004 a. C.) e a data em que a Arca de Noé encalhou no monte Ararat depois que as águas do dilúvio baixaram: quarta-feira, cinco de maio de 2348 a. C. ®Sérgio.

sábado, 19 de março de 2011

O HOMEM QUE FAZIA SAL - Recontando Contos Populares

Este causo se deu no tempo de Reis e Rainhas. Nesse tempo, que já se foi, havia no mundo uma carestia de sal. Não havia lugar onde se pudesse encontrar um torrãozinho sequer; nem mesmo no mar.
Pois bem, vivia numa certa cidade um cozinheiro que tinha uma máquina capaz de produzir sal. Vai daí que esse mestre de cozinha ficou famoso, pois era o único capaz de temperar o alimento de seu restaurante, com sal. Apesar de muita gente tentar descobrir a origem do sal, ele mantinha severo segredo.
O Rei, certo dia, recebeu, de um dos seus súditos, uma amostra da comida temperada com o sal. Gostou tanto, que resolveu adquirir de qualquer maneira a fórmula, única, de produzir o sal. Mas, o famoso cozinheiro não tinha a intenção, nem para um Rei, de revelar o seu segredo, que era o principal sustento da família. O Rei então prometeu ao cozinheiro real uma fortuna se conseguisse descobrir o segredo daquele homem. 
O cozinheiro real então tratou de viajar até a cidade do mestre de cozinha que produzia sal. Com muita conversa e fingida amizade, conseguiu que o mestre de cozinha, cheio de inocência, revelasse que o sal era produzido por uma máquina toda vez que ele dizia determinada palavra mágica; e fez pior, demonstrou o funcionamento da máquina. Não deu outra, durante a noite, enquanto o mestre de cozinha dormia com a família, o cozinheiro real foi até ao restaurante, roubou a máquina e perna pra que te quero.
Chegando a casa real, anunciou ao Rei que descobrira o segredo e para prová-lo prepararia um jantar especial. O Rei, então, para comemorar, resolveu realizar o jantar no seu luxuoso navio. Para tanto, convidou todos os nobres de seu reino.
O cozinheiro real preparou a máquina e pronunciou a palavra mágica, e ela desandou a produzir sal e o jantar ficou espetacular. Mas enquanto os nobres se divertiam, o cozinheiro real viu-se diante de um problema. A máquina não parava de produzir o sal, pois a palavra mágica que a fazia funcionar não era a mesma para desligá-la. Não demorou muito e o navio estava coberto de sal e, com o peso, afundou, arrastando para o fundo, o Rei, os nobres, o cozinheiro real e a máquina que continua ligada até hoje, enchendo o mar de sal. ®Sérgio.

segunda-feira, 14 de março de 2011

HOMENAGEM À POESIA

Há quem ache que a poesia é coisa ridícula e inútil. Acham-na, até, nociva à vida porque envenena as almas, os sentimentos e as ideias. Dizem: "Estamos saturados de poesia"! Nada mais falso.
Falso, porque a poesia,
Ao contrário, estimula a circulação de ideias.
É crescimento da espiritualidade.
É a mais nobre,
E a mais bela expressão da vida intelectual.
É profunda;
É contraditória;
É enigmática;
Como é a própria vida.
Traz em si todos os encantos;
Os encantos mais sutis e fugitivos.
O encanto dos sentidos,
Do luar,
Das estrelas,
Do oceano,
Da aragem perfumada,
Da vida.
É relâmpago e é trovão;
É vendaval e é brisa;
É noite e é madrugada;
É luta sangrenta e é dor;
É balsamo e é consolo;
É luar e é suspiro;
É voo de pássaro.
Ampara os oprimidos,
Anima os fracos,
Açoita os tiranos,
Amansa os instintos,
E embeleza a vida.
E quando tudo o mais se desfizer;
Quando desaparecerem para sempre as nações,
Será ela,
A poesia,
Que recolherá e guardará a alma do povo extinto. ®Sérgio.
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Inspirado no texto O Calvário do Poeta; in O Elogio da Mediocridade, de Amadeu Amaral (1875-1958), poeta, folclorista, filólogo e ensaísta.

quinta-feira, 10 de março de 2011

TUDO O MAIS ou TUDO MAIS?

Emprega-se indiferentemente tudo o mais  ou tudo mais. No entanto, o mais usado é tudo o mais.
 Isso posto e tudo o mais que dos autos consta.
 Isso posto e tudo mais que dos autos consta.
• Meus livros e tudo o mais.
 Meus livros e tudo mais.
• Computadores e tudo o mais precisa de manutenção.
• Computadores e tudo mais precisa de manutenção.
Da mesma forma, tudo o que e tudo que:
• Fez pelo país tudo o que pôde.
• Fez pelo país tudo que pôde.
• Conseguiu tudo o que queria.
• Conseguiu tudo que queria.
 Deu à família tudo o que estava ao seu alcance.
• Deu à família tudo que estava ao seu alcance.
Emprega-se tudo a ver. E nunca tudo haver:
  • Essa roupa tem tudo a ver (e não: tudo haver) com você.
O pronome tudo corresponde a todas as coisas e é de gênero neutro. ®Sérgio.

segunda-feira, 7 de março de 2011

HERESIA GREGA - Notas à Toa

Em 500 a. C., o filósofo grego Anaxágoras concebeu a teoria de que o Sol é uma massa de pedra ardente, do tamanho pouco maior que o território da Grécia.
Não deu outra. Anaxágoras foi preso e acusado de heresia. Para os gregos o Sol era resultado do passeio do Deus Hélio pelo céu, a bordo de uma carruagem com cavalos que soltavam fogo pelas narinas. ®Sérgio.
Fonte: A Luz da Ciência e da Fé, Revista Veja, 9 de março de 211; p. 84.

quinta-feira, 3 de março de 2011

O FEMININO "TODA-PODEROSA" NÃO EXISTE

Lia uma resposta (sem rodeios) a um comentário deixado num blog, quando me deparei com a expressão: "[...] você se acha toda-poderosa...". Pensei: "mais uma vez alguém escorrega no feminino de todo-poderoso".
Não é para menos, pois estamos acostumados a usar toda como feminino do pronome indefinido todo, assim: Todo menino e toda menina gostam de brincar.
Mas, no caso do composto toda-poderosa, poderíamos dizer com fundadas razões que este feminino "não existe". Como assim? Por certo, diria alguém. Ora, assim:
O composto todo-poderoso, que pode funcionar como adjetivo ou substantivo masculino – um homem todo-poderoso / sentia-se o todo-poderoso – tem como elementos o pronome indefinido todo e o adjetivo poderoso; como se vê,  "todo" não está ligado a um substantivo e sim, ao adjetivo "poderoso", o que o torna um advérbio de intensidade (= inteiramente); portanto, sendo todo um advérbio, fica invariável, ou seja, não tem plural, nem feminino. Conclusão: o feminino de todo-poderoso é todo-poderosa. Não esqueçam! ®Sérgio.
Todo-Poderoso (ô)
Adjetivo: Que pode tudo; onipotente.
Substantivo masculino: Aquele que pode tudo. [Flex.: todo-poderosa (ó), todo-poderosos (ó), todo-poderosas (ó).] (Novo Dicionário Aurélio Eletrônico 7.0)

HISTÓRIA OU ESTÓRIA?

Embora, estória já esteja incorporada em nossos dicionários (não existe nos dicionários portugueses), a preferência é pelo uso do termo história em qualquer situação, ou seja: realidade ou ficção.
    Isso é história para boi dormir.
    Você conhece a história da mula sem cabeça?
    A História da vida de Gandhi é interessante demais.
    Tem gente que não conhece a história de chapeuzinho vermelho.
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, também, recomenda a grafia de história, em qualquer sentido.
Julgam os estudiosos ser a forma mais correta o termo história e não estória, por ser estória uma imitação do inglês story, sem correspondente com raízes em nossa língua. O Dicionário de Caldas Aulete, também, refere-se à forma estória como um brasileirismo, isto é, apenas um aportuguesamento da forma inglesa.
Portanto, para não cometermos anglicismo (importação do inglês), melhor usamos a recomendação dos dicionaristas.
História com "H" maiúsculo se trata de ciência, estudo. Exemplo: A História do Descobrimento do Brasil é muito interessante. ®Sérgio.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O CARDEAL MEZZOFANTI - Notas Biográficas

Com a devida licença, lhes apresento o Cardeal Gaspare Mezzofanti, um dos  maiores poliglotas de todos os tempos.
Gaspare nasceu em 19 de setembro de 1774. Filho de um pobre carpinteiro de Bolonha. Ainda menino, se entregou ao conhecimento do idioma. Com a idade de 12 anos fez os três anos do curso filosofia. Quando terminou seus estudos teológicos ainda não tinha idade para ser ordenado. Aos vinte e três anos de idade, há pouco ordenado, já era professor de árabe da Universidade de Bolonha, sua cidade natal. Pouco tempo depois, estendeu suas atividades ao ensino do grego e línguas orientais.
Sua vocação para o estudo das línguas foi tanta, que o astrônomo Zach - de passagem para Genebra, aonde se dirigia para observar um eclipse - ao conhecê-lo, registrou em seu bloco de notas: "Ia observar um milagre no céu, e a terra me forneceu outro fenômeno não menos admirável". E não foi esta a única referência elogiosa a capacidade de Gaspare para assimilar idiomas; Byron já havia dito: "Devia ter vivido no tempo da torre de Babel como intérprete universal". Sua memória era tão privilegiada que uma única leitura lhe bastava para reproduzir, de cor, uma página inteira de São João Crisóstomo.
Certa vez, satisfez a curiosidade do conselheiro de Estado russo, Muravief, remetendo-lhe o nome de Deus escrito em cinqüenta e seis idiomas. Três anos depois, em 1846, já dominava a soma de setenta e oito línguas, excluídos os dialetos. É algo, realmente admirável, principalmente se atentarmos para o fato de que, para ele "dominar uma língua significava falá-la com ótima pronúncia, lê-la, escrevê-la e até compor poesias nela".
Não foi a sede de aventuras espirituais que o motivou a desenvolver essa capacidade - era excessivamente modesto - e sim, a necessidade de dar vazão, num terreno bastante extenso, a uma capacidade prodigiosa, da qual não sabia o que fazer. O domínio sobre os idiomas era tão grande, que notava solecismos (imperfeição) no polaco que o czar Nicolau usava para conversações entre ambos. Ou ainda "palestrar em grego com Byron, em provençal com Manavit, em croata com o imperador Francisco I". Alimentava também uma vaidade natural: passear no pátio do Colégio Propaganda, em Roma, saudando na língua de cada um de seus alunos, procedentes de todos os recantos da Terra, além de sustentar uma conversação em várias línguas com muitos interlocutores ao mesmo tempo.
De acordo com Russell, o Cardeal Mezzofanti falava perfeitamente trinta e oito línguas, e trinta outras línguas, menos perfeitamente. Cinquenta dialetos das línguas acima mencionadas. Eis algumas: Hebraico, Árabe, Caldeu, Armênio (antigo e moderno), Persa, Turco, Albanês, Maltês, Grego (antigo e moderno), Latim, Italiano, Espanhol, Português, Francês, Alemão, Inglês, Russo, Polonês, Chinês, Sírio, Basco, Hindu, para só citar essas. Ele não deixou trabalhos científicos, embora alguns estudos comparativos em Lingüística encontram-se entre os seus manuscritos, que deixou, em parte, à biblioteca municipal e, em parte, à biblioteca da Universidade de Bolonha. ®Sérgio.
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Fonte: Arsênio, Arnaldo; Aspecto da nossa Língua; CERN, 1983.

POR SER PANTANEIRO...

Tenho grande afinidade com a natureza; talvez por ser de uma família de camponeses. Para mim, a natureza é expressiva...
Pelos campos vaguear
sentir o vento, respirando a vida
E livre suspirar
[...] (Álvares de Azevedo)
Por ser pantaneiro, meus sentidos se abrem para a mata, para o riacho e para sentir na mais íntima fibra do meu eu, um dos mais belos poemas descritivos de nossa língua:
A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia vigia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das ervas, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a gralha do escuro ingazeiro,
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Somente por vezes, dos jungles da borda
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos – um touro selvagem.
(Crepúsculo Sertanejo - fragmento- Castro Alves)