quarta-feira, 8 de setembro de 2010

UMA HISTÓRIA QUE NÃO TEM NA HISTÓRIA

Nas festas comemorativas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1559, Padre José de Anchieta protagonizou um acontecimento incomum.
Naquele dia, na programação das festividades comemorativas, constava o enforcamento de um prisioneiro francês, João de Bolés. O Padre José de Anchieta tinha conseguido converter o herege francês a Santa Madre Igreja, e, por isso, foi encarregado de acompanhar o condenado até a forca.
O carrasco fez a laçada, passou-a pela cabeça e ajustou-a no pescoço do condenado. A um sinal do comandante das armas, o corpo ficou suspenso no ar; mas, por incrível que possa parecer, o francês não morrera. O condenado vivia; o laço não o estrangulara.
Retiraram, então, a laçada do pescoço de Bolés; foi nesse momento que o Padre José de Anchieta - condoído da aflição do francês - interferiu no enforcamento, repreendendo o carrasco por sua imperícia desumana. Mostrou-lhe como se fazia o laço e como deveria puxá-lo para evitar, ao condenado, o suplício de ficar suspenso na laçada sem morrer.
Novamente, o corpo ficou suspenso no ar e o condenado viveu seus derradeiros instantes de vida. Consumara o enforcamento com a intervenção de Anchieta.
 Este caso foi citado em Roma contra a canonização do Padre José de Anchieta no fim do século XIX. Assim, Anchieta não foi santificado porque ajudou a enforcar o francês João de Bolés, conforme o relato do Padre Jesuíta Simão de Vasconcelos, ilustre cronista da Companhia de Jesus. ®Sérgio.
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Este texto foi elaborado de acordo com as informações contidas no livro: Histórias que não Vêm na História (1928), de Assis Cintra (1887/1937).

UM HOMEM DE CORAGEM

Imaginem:
Um domingo qualquer.
Uma Igreja lotada.
Senhores de engenho, coronéis e autoridades portuguesas.
Hora do sermão.
Um padre sobe ao púlpito.
Diz:
Os senhores poucos, os escravos muitos;
Os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus;
Os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome;
Os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros;
Os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses;
Os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão e espetáculos de extrema miséria.
Oh! Deus! Quantas graças devemos a fé que nos deste, porque só ela nos dá o entendimento, para que à vista destas desigualdades, reconhecemos, contudo, vossa justiça e providência!
Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva?
Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo?
Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos?
Não respiram com o mesmo ar?
Não os cobre o mesmo céu?
Não os esquenta o mesmo Sol?
Que destino é este que os domina, tão triste, tão inimigo; tão cruel?
Esse Padre chamava-se Antônio Vieira.
Nasceu na primeira década de um século (Lisboa, 1608), e só morreu na última (Bahia, 1697).
Com uma coragem rara fez do púlpito sua tribuna e se tornou o maior Orador Sacro de nossa língua.
Em toda sua vida e em todo o seu tempo não houve, no Brasil e em Portugal, quem a ele, em brilho, fizesse sombra.
Poucos tiveram a faculdade de suscitar tanto ódio e admiração, poucos têm sido tão lidos e analisados.
Entrou nos palácios com a mesma segurança que explorou as selvas. Enfrentou a inquisição. Lutou contra a escravidão dos negros e dos índios num tempo em que a escravatura era encarada como normal e até mesmo necessária. Defendeu a liberdade religiosa numa época de intolerância, em que os suspeitos de professarem a fé não católica, eram condenados pela inquisição.
E, sobretudo, defendeu sonhos.
Por isso tudo, o Padre Antônio Vieira é uma das personagens mais importantes da nossa Literatura, como também, da História do Brasil e de Portugal no século XVII.
O Sermão? Era o Vigésimo Sétimo. ®Sérgio.