sexta-feira, 24 de setembro de 2010

VALORES INVERTIDOS

Já mencionei, por várias vezes em meus comentários a amigos, uma atitude comportamental que já está se tornando tradicional em nossa sociedade: a inversão de valores. Na minha adolescência, ansiávamos por participar do mundo de nossos pais e, para tanto, chegávamos até mesmo, imitá-los. Hoje, esse procedimento se inverteu: são os pais que imitam os filhos.
Pois é, para minha surpresa, lendo a revista Veja, "dou de cara" com o artigo: Os Limites da Amizade, que vem substanciar o que já havia comentado.
Diz o artigo que muitos pais e mães vão para as "baladas" com os filhos e chegam a namorar seus amigos/as. Renata Leão, que assina o artigo, pergunta: até que ponto isso é normal. Do meu ponto de vista e de meu conceito de família, isso é "anormal". É mais uma banalização, entre tantas outras. Veja o depoimento da bancária paulista Marize Tamaoki, 50 anos: "Fui casada durante mais de duas décadas com o pai de minhas filhas, Mirela, 20 anos, e Daniela, de 28. Quando me separei, em 2003, passei a frequentar, com minhas filhas, academias de ginásticas e baladas. Comecei a ir às danceterias da Vila Olímpia. Na primeira vez, os garotos da idade da Mirela vieram me paquerar. No começo ficava constrangida. Agora já me acostumei e acho ótimo".
Eis alguns trechos de outros depoimentos:
"[...] Foi estranho ver minha mãe com um amigo meu, tatuado e cabeludo, vinte anos mais novo que ela." (Camila, 20 anos)
"[...] Quando Camila quer ficar em casa, não me faço de rogada e saio com as amigas de minha filha. A moçada diz que eu tenho a síndrome de Peter Pan". (Alessandra, 52 anos)
Salve-se quem puder! ®Sérgio.

sábado, 18 de setembro de 2010

TÁ FARTANDO FUBÁ - Recontando Contos Populares

Foi um dia um matuto queixar-se da falta de fubá nas redondezas onde morava, a um sitiante - homem muito simples que não gostava de contrariar as ideias do próximo.
— Eh, Patrão! É uma verdadeira desgraçia! Esse fubá anda pela horinha da morte. Não hai nem para tapar o buraco de um dente. Se continuar ansim, é coisa de pouco tempo se morrer de fome.
O sitiante, com sua natural cortesia, quis justificar a carestia:
— Há de ser com toda a certeza por falta de milho. Não tem chovido, decerto perderam-se as plantações lá pra suas bandas.
— Ih, Patrão! Choveu todo o ano. Água não fartou com a graça de Deus e ninguém deixou de plantar milho, louvado seja o Senhor, milho veio bonito que não se perdeu uma espiga!
— Então, já sei, será por avarias nos maquinismos dos moinhos lá de sua região.
— Também não é, patrão, os moinhos não têm desarranjo nenhuns, não hai outros como os nossos!
O sitiante já um tanto irritado, sem a natural cordialidade, ficou matutando, a olhar o matuto, e, não tendo mais nada pra dizer, saiu-se com esta:
— Então, patrício, há de ser por falta de fubá mesmo... ®Sérgio.

O REI QUE QUERIA CONHECER A HUMANIDADE - Recontando Contos Poulares

Mitos dos ensinamentos filosóficos da antiguidade Oriental vinham disfarçados em contos ou historinhas aparentemente inocentes, para melhor aproveitamento dos ensinamentos. É o caso deste conto do século VIII.
Conta-se que na Pérsia vivia um rei de nome Zemir. Coroado bastante jovem, descobriu que sabia muito pouco para ser um soberano. De modo que precisava, urgentemente, de instrução. Reuniu então a sua volta um grande número de eruditos, provenientes de muitos países. Pediu-lhes que compusessem, para seu uso, uma obra que contasse a história da humanidade.
Assim, os eruditos passaram a se concentrar nesse trabalho. Durante vinte anos se ocuparam no preparo da obra. Terminada, foram ao palácio, carregando quinhentos volumes acomodados no dorso de doze camelos. O Rei Zamir que já passara dos 40 anos, disse-lhes:
— Estou velho. Não terei mais tempo de ler todos esses quinhentos volumes antes de minha morte. Levando isso em conta, poderiam, por favor, preparar-me uma obra resumida?
Por mais vinte anos trabalharam os eruditos na feitura dos livros e voltaram ao palácio com três camelos apenas. Mas o rei envelhecera mais ainda. Com sessenta anos, sentia-se meio alquebrado:
— Não me será possível ler todos esses livros. Por favor, façam deles uma versão mais resumida!
Os eruditos trabalharam mais dez anos. Voltaram ao palácio com um camelo carregando alguns volumes da obra. A essa altura, com setenta anos, e quase cego, o rei não podia mais ler. Mesmo assim pediu uma versão mais resumida ainda. Os eruditos também tinham envelhecidos; mesmo assim, concentraram-se por mais cinco anos e, momentos antes da morte do monarca, voltaram com um só volume.
— Infelizmente morrerei sem nada conhecer da história do homem - disse o velho Rei.
Então, a sua cabeceira, o mais idoso dos sábios lhe respondeu:
— Vou explicar-lhe em três palavras a história do homem: o homem nasce, sofre e, finalmente, morre.
Pois foi depois de ouvir essas três palavras que o rei morreu. ®Sérgio.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O POSITIVISMO DA GÍRIA

"O que ela (a gíria) tem de positivo é a criatividade, a malícia inteligente, o poder de conotação que serve em tantos momentos para os quais a língua comum se desgastou demais. Gíria é renovação e espontaneidade. O mal, se houver, não estará na gíria, mas no seu uso inadequado. Já escrevi certa vez que não vamos em roupas de baixo a uma festa, assim como não devemos usar linguagem informal em ocasiões solenes, quando se espera do falante um tom mais sério, uma linguagem mais formal. Esse é o problema da linguagem na escola: não proibir gíria, mas também não a cultivar. Exigir, isso sim, que os alunos saibam escrever num nível culto, usando as metalinguagens apropriadas a cada disciplina: essa é uma das importantes funções do professor de qualquer disciplina, não só de português."
(Luft, Lya. Gírias e Gírias. In Correio do Povo, Porto Alegre, 1 de junho 1974. Caderno de Sábado. p. 15.)
Lya Fett Luft é romancista, poetisa, tradutora brasileira, professora universitária e colunista da revista semanal Veja. ®Sérgio.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

UM PENSAMENTO ÍNTIMO... - Seleta de Prosa

Arrastava-me para o ermo um sentimento íntimo, o sentimento de haver acordado, vivo, ainda, deste sonho febril chamado vida, e que hoje ninguém acorda, senão depois de morrer.
Sabeis o que é esse despertar de poeta?
É o ter entrado na existência com o coração que transborda de amor sincero e puro por tudo quanto o rodeia, e ajuntarem-se os homens e laçarem-lhe dentro do seu vaso de inocência lodo, fel e peçonha e, depois, rirem dele.
É ter dado as palavras – virtude, amor, pátria e glória – uma significação profunda e, depois de haver buscado por anos a realidade delas neste mundo, só encontrar hipocrisia, egoísmo e infâmia:
É o perceber a custa de amarguras que o existir é padecer, o pensar descrer, o experimentar desenganar-se, e a esperança nas coisas da terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo tênue que ondeia em horizonte aquém do qual esta assentada à sepultura. (Fragmento de Eurico, O Presbítero de Alexandre Herculano¹.) ®Sérgio.
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(1) Alexandre Herculano. Eurico, O Presbítero São Paulo, Ática, 1991. p. 21.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

UMA HISTÓRIA QUE NÃO TEM NA HISTÓRIA

Nas festas comemorativas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1559, Padre José de Anchieta protagonizou um acontecimento incomum.
Naquele dia, na programação das festividades comemorativas, constava o enforcamento de um prisioneiro francês, João de Bolés. O Padre José de Anchieta tinha conseguido converter o herege francês a Santa Madre Igreja, e, por isso, foi encarregado de acompanhar o condenado até a forca.
O carrasco fez a laçada, passou-a pela cabeça e ajustou-a no pescoço do condenado. A um sinal do comandante das armas, o corpo ficou suspenso no ar; mas, por incrível que possa parecer, o francês não morrera. O condenado vivia; o laço não o estrangulara.
Retiraram, então, a laçada do pescoço de Bolés; foi nesse momento que o Padre José de Anchieta - condoído da aflição do francês - interferiu no enforcamento, repreendendo o carrasco por sua imperícia desumana. Mostrou-lhe como se fazia o laço e como deveria puxá-lo para evitar, ao condenado, o suplício de ficar suspenso na laçada sem morrer.
Novamente, o corpo ficou suspenso no ar e o condenado viveu seus derradeiros instantes de vida. Consumara o enforcamento com a intervenção de Anchieta.
 Este caso foi citado em Roma contra a canonização do Padre José de Anchieta no fim do século XIX. Assim, Anchieta não foi santificado porque ajudou a enforcar o francês João de Bolés, conforme o relato do Padre Jesuíta Simão de Vasconcelos, ilustre cronista da Companhia de Jesus. ®Sérgio.
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Este texto foi elaborado de acordo com as informações contidas no livro: Histórias que não Vêm na História (1928), de Assis Cintra (1887/1937).

UM HOMEM DE CORAGEM

Imaginem:
Um domingo qualquer.
Uma Igreja lotada.
Senhores de engenho, coronéis e autoridades portuguesas.
Hora do sermão.
Um padre sobe ao púlpito.
Diz:
Os senhores poucos, os escravos muitos;
Os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus;
Os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome;
Os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros;
Os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses;
Os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão e espetáculos de extrema miséria.
Oh! Deus! Quantas graças devemos a fé que nos deste, porque só ela nos dá o entendimento, para que à vista destas desigualdades, reconhecemos, contudo, vossa justiça e providência!
Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva?
Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo?
Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos?
Não respiram com o mesmo ar?
Não os cobre o mesmo céu?
Não os esquenta o mesmo Sol?
Que destino é este que os domina, tão triste, tão inimigo; tão cruel?
Esse Padre chamava-se Antônio Vieira.
Nasceu na primeira década de um século (Lisboa, 1608), e só morreu na última (Bahia, 1697).
Com uma coragem rara fez do púlpito sua tribuna e se tornou o maior Orador Sacro de nossa língua.
Em toda sua vida e em todo o seu tempo não houve, no Brasil e em Portugal, quem a ele, em brilho, fizesse sombra.
Poucos tiveram a faculdade de suscitar tanto ódio e admiração, poucos têm sido tão lidos e analisados.
Entrou nos palácios com a mesma segurança que explorou as selvas. Enfrentou a inquisição. Lutou contra a escravidão dos negros e dos índios num tempo em que a escravatura era encarada como normal e até mesmo necessária. Defendeu a liberdade religiosa numa época de intolerância, em que os suspeitos de professarem a fé não católica, eram condenados pela inquisição.
E, sobretudo, defendeu sonhos.
Por isso tudo, o Padre Antônio Vieira é uma das personagens mais importantes da nossa Literatura, como também, da História do Brasil e de Portugal no século XVII.
O Sermão? Era o Vigésimo Sétimo. ®Sérgio.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A SEMENTE E A PALAVRA DE DEUS

O trigo que semeou o pregador, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e neste seca-se a palavra de Deus, e se nasce não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e o tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam, e neste é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum.
Este grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje, e é uma dádiva ou admiração que me traz suspenso e confuso, depois que subo ao púlpito. Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?
Padre Antônio Vieira, Sêmen est Verbum Dei, in Sermão da Sexagésima.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

AS COMÉDIAS (2)

Dependendo da fonte que provoca o riso, a comédia pode se classificar em vários tipos, dos quais destaco as seguintes:
Comédia de Costumes visa a criticar os hábitos e os costumes de uma sociedade em determinada época. A exemplo de Les Precieuses Ridicules (1659) e Les Femmes Savantes (1662), de Molière.
Comédia de Personagem – quando a ênfase recai num tipo, isto é, numa personagem representativa de uma tendência (perpétua) do ser humano, como em Tartuffe (1664) de Molière, cujo personagem homônimo é um hipócrita e falso devoto.
Comédia Ballete - inventada por Molière, consiste numa comédia de costumes ou de personagem entremeada de cenas de dança cômica.
Comédia Lacrimejante – quando emprega lágrimas para sensibilizar o público. O dramaturgo francês Nivelle de la Chaussée, foi o criador dessa modalidade com peças como Fause Antiphie (1733) e Melanida (1741). 
Comédia de Capa e Espada – de origem espanhola, recebeu tal denominação pelo fato de os cavaleiros da época (século XVI), usarem capa e a espada. Gira sempre ao redor de intrigas amorosas, como em La Dama Boba (1613), de Lopez de Vega.Il est le seul (avec sa mère, madame Pernelle) à en être dupe.
Comédia de Humor Negro - é um subgênero da comédia e da sátira, onde temas graves como a morte, estupro, assassinato, aniquilação humana ou violência doméstica são tratados de forma satírica.
Comédia Pastelão - é uma comédia de cinema, pois apresenta perseguições, colisões e brincadeiras onde as personagens só fazem coisas tolas e embaraçosas, como tropeçar, cair, só para provocar o riso nas pessoas.  O famoso comediante Charlie Chaplin, compôs uma série de comédias pastelão. ®Sérgio.
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AS COMÉDIAS

Dependendo da fonte que provoca o riso, a comédia pode se classificar em vários tipos, dos quais destaco as seguintes:
Entremés era um de comédia teatral de um só ato que se caracteriza pela comicidade e pela brevidade, pois a trama e o conflito eram mínimos. Os personagens oscilavam entre três e cinco e representavam as classes sociais baixas e populares em situações absurdas e grotescas a fim de provocar o riso fácil. A representação se dava nos intervalos dos atos de uma obra principal.
Commedia Dell'arte, também chamada de commedia a soggeto (comédia de tema), commedia all'improvviso (comédia de improviso), commedia dei zanni (comédia dos criados), commedia dei maschere (comédia de máscaras), commedia all'italiana (comédia italiana). Mas, de todas essas denominações, a que prevaleceu mesmo foi Commedia Dell'arte (séculos XVI e XVIII). Eram apresentações improvisadas a partir de um acervo de situações (adultério, ciúme, velhice, amor) e personagens padronizados. Muitos dos elementos básicos da Commedia Dell'arte vieram das comédias romanas (palliata comoedia) de Plauto e Terêncio.
O Vaudeville é uma comédia entremeada de árias. Fundamente-se quase que exclusivamente na intriga e no efeito provocado pelos equívocos, despertando a graça.
Comédia Burlesca - por meio da paródia, sátira ou caricatura, a comédia burlesca ridicularizava instituições, escolas, costumes e valores sociais. Originalmente, parodiava textos clássicos, como as epopeias, utilizando uma linguagem zombeteira e exagerada que tinha como finalidade ridicularizar a obra. Por exemplo, a obra Virgile Travesti (1648) de Paul Scarron, autor francês do séc. XVII, uma paródia ao poema épico de Virgílio.  Tem-se que a comédia burlesca originou-se a partir da Comédia Dell'arte italiana.
A Farsa - este tipo de comédia pretende provocar o riso sem intenção didática ou moralizante; e sim, a partir de exageros tirados da observação da vida quotidiana. A farsa depende mais da ação do que do diálogo; mais dos aspectos externos (cenários, roupas, gestos, etc.) do que do conflito dramático. Seus personagens, em número restrito, são tirados da própria vida urbana. A farsa não observa regras de verossimilhança podendo chegar ao absurdo. Difere da sátira ou da paródia por não pretender questionar valores. Dentre os numerosos exemplares desse gênero (mais de cento e cinquenta) produzidos entre 1440 e 1560, época de seu florescimento, destaca-se La Farce de Maîte Pathélin,  composta entre 1460 e 1470. ®Sérgio.

OS REMÉDIOS DO MUNDO ATUAL

"No mundo atual as pessoas estão investindo cinco vezes mais em remédios para a virilidade masculina e silicone para as mulheres do que na cura do Mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de pênis ereto, mas eles não se lembrarão para que servem."

(Dráuzio Varella – Médico)

SELETA DE PENSAMENTOS (4)

"Nós matamos o tempo, mas ele nos enterra." (Machado de Assis)
"Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que é assim é que a natureza  compôs suas espécies." (Machado de Assis)

SELETA DE PENSAMENTOS (3)

"De repente passei a acreditar em Deus está impossível acreditar em qualquer outra coisa." (Millôr Fernandes)
"Equilíbrio sustentável: no Rio se mata. Na Amazônia se desmata." (Millôr Fernandes)