sexta-feira, 14 de maio de 2010

OS REMÉDIOS DO AMOR E O AMOR SEM REMÉDIO

"O que é o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreendê-lo, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir em palavras o seu conceito? [...]. Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, então o tempo? Se ninguém me perguntar, eu o sei; se quiser explicá-lo a quem me fizer a pergunta, já não sei." (Santo Agostinho. Confissões, p.322.)
Há muito tempo, quando meu ser despertava para as letras, folheava um livro sobre nossa Literatura e, em dado momento, meus olhos fixaram-se sobre um texto do Padre Antônio Vieira. Já no primeiro parágrafo de leitura, senti-me tomado de emoção e, também de admiração, ao perceber que tinha em minhas mãos algo realmente maravilhoso. Assim, sempre que me é dada a oportunidade, procuro repassá-lo, na esperança de que os mesmos sentimentos que transpassaram meu coração, transpassem outros também.
OS REMÉDIOS DO AMOR E O AMOR SEM REMÉDIO¹
[...].Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore quanto mais a corações de cera! São as feições como as vidas, em que não há mais certo sinal de haverem durado pouco, do que terem durado muito. São as vidas como linhas espirais, que partindo do centro, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão vigoroso que chegue a ser velho. De arco e flecha que lhe armou a natureza, desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco com que já não mais atira; embota-lhe a seta, com que já não mais fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda essa diferença, é, porque o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem mais as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Padre Antônio Vieira (1608-1697), Sermão do Mandato, parte III, in Sermões (1643).
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1 – Título Fantasia. (N. T.)