sexta-feira, 30 de abril de 2010

UMA PUNHETA PARA A MESA OITO!

Não tenho dificuldade em dizer que no campo da semântica já temos uma unidade linguística praticamente brasileira. Mas essa reflexão é minha e não posso absolutamente garantir que esteja certo. Mas se você for comparar o significado de algumas palavras aqui do Brasil com as de Portugal, certamente vai concordar comigo. Mais ainda, se observar que nas capas de alguns livros de autores brasileiros atuais, aparece escrito: traduzido para Portugal. Como na capa do livro Quem Ama, Educa, do doutor Içami Tiba, que aparece escrito: Traduzido para a Itália, Espanha e Portugal. Não é de se estranhar? Um livro foi traduzido do português para o português?
Ora, isso, conscientemente falando é prova de que o jeito brasileiro de escrever e falar vem se afastando da puríssima língua portuguesa.
Quem for a Portugal não deve deixar de provar um delicioso tira-gosto: uma rica porção de bacalhau, cru e desfiado. Nem deve se apoquentar se o empregado de mesa (garçom) gritar bem alto: — Uma Punheta Para a Mesa Oito! (Revista Época, de 27 de março, pág. 17)
Para deixar você mais seguro sobre o assunto, alguns exemplos de palavras que não têm mais nada a ver aqui e lá, entre tantas outras. Antes, porém, quero esclarecer que, em Portugal, Durex é uma famosa marca de camisinhas:
Aqui na Terra
Lá na terrinha...
Camisinha
Camisa-de-vénus
Durex
Fita-cola
Cafezinho
Bica
Fila
Bicha
Homossexual
Paneleiro
Sapatão
Fufa
Pãozinho francês
Cacete
Um grupo de crianças
Canalhas
Um adolescente
Puto
Peruca
Capacinho
Calcinha feminina
Cueca
Ficar menstruada
Andar com o período
Absorvente feminino
Penso higiênico
Dentista
Estomatologista
Professor particular
Explicador
Comissária de bordo
Hospedeira
Garis
Almeidas
Salva-vidas de praia
Banheiro
Sanitário
Retrete
Cego
Invisual
Chiclete
Pastilha elástica
Injeção
Pica
Embebedar-se
Enfrascar-se
Tesão*
Ponta
Alô?
Está lá?
Fonte: Revista Época, de 27 de março, pág. 17. ®Sérgio

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A ARMADILHA DA COLUNISTA

Uma amiga, que trabalha na redação de uma revista feminina, contou-me, certa vez, que recebeu de uma leitora o seguinte e-mail:
"Sou uma mãe novata e assídua leitora de sua coluna de conselhos para a mulher e o lar. Sempre faço o que você manda, por isso quero que me dê uma explicação. No último número, dirigindo-se às mães que não amamentam os filhos, você escreveu: Quando a criança terminar a mamadeira, lave-a bem em água corrente. Eu experimentei lavar minha filhinha na torneira, mas ela chorou tanto que eu desisti. O que devo fazer?"
Olhei bem para minha amiga e lhe perguntei zombeteiramente:
— É para acreditar?!
Infelizmente era, sua colega que também trabalha na revista, confirmou o fato.
Naquele momento, foi essa a primeira impressão que tive da assídua leitora de minha amiga; porque a linguagem oral conta com certos recursos para tornar o sentido preciso (gestos, expressão corporal ou facial, repetição, etc.). Além do mais, a comunicação oral convida-nos mais a opiniões acerca da intérprete que do conteúdo da obra comunicada. Quando fiz a transcrição da carta para o papel, pois era algo digno de nota, notei que a interpretação da leitora sobre o texto da colunista, era resultado de uma armadilha textual.
Como a linguagem escrita conta apenas com a palavra para compor um texto, o escritor precisa assumir a perspectiva do leitor, caso contrário pode dificultar a compreensão e criar para o ele uma armadilha chamada ambiguidade: "Quando a criança terminar a mamadeira, [lave-a] bem em água corrente." Lavar quem: a criança ou a mamadeira?. A leitora assídua interpretou que a criança é quem deveria ser bem lavada. Não é uma interpretação muito comum, mas acontece.
Em casos como esse, é compreensível a repetição do termo «mamadeira», como meio de evitar a ambiguidade: “Quando a criança terminar a mamadeira, lave bem a [mamadeira] em água corrente”.
Pensando bem, nem haveria a necessidade de se repetir o termo, bastava ela escrever mamar, em vez de mamadeira, assim: “Quando a criança terminar de [mamar], lave bem a mamadeira em água corrente.” E fim de papo.
Dias depois, quando reencontrei minha amiga colunista, não lhe comentei nada, regra geral é uma tarefa ingrata... ®Sérgio.

sábado, 24 de abril de 2010

AULA NO CAMPO

O professor de geografia chamou-me, à porta de minha sala de aula. Interrompi a exposição que fazia aos alunos e fui atendê-lo.
— Pois não!
— Ricardo! Vou levar meus alunos para uma aula de campo na chácara do diretor; escalei você para me ajudar a controlar a meninada no mato! - Explicou o professor.
Luís Carlos, professor de geografia, era um dos bons amigos que fiz naquela escola; não havia como não aceitar o pedido. Concordei com um, OK!
Retornei ao centro da sala, notifiquei e dispensei os alunos, que levaram menos de um minuto para arrumarem suas mochilas, e fui reunir-me com Luís, que já me aguardava no micro ônibus que levaria a molecada para o campo. Antes, porém, fui até a sala dos professores e guardei no meu armário todos os objetos que porventura poderia derrubar ou perder na mata.
Seguíamos, vagarosamente, por uma trilha, com o professor Luís explicando aqui e ali os acontecimentos geográficos, quando nos deparamos com um riacho e uma ponte estreita feita com dois troncos de árvore, presos ao solo em cada uma das margens. Tipo de ponte que aqui se dá o nome de pinguela.
— Ricardo!... Temos de atravessar!... Vou atravessar primeiro e você só depois que o último aluno atravessar! - Grita-me Luís em meio à algazarra da meninada.
Fiz-lhe um positivo e ele partiu, não sem antes advertir os alunos para tomarem cuidado com os objetos pessoais e, principalmente, com as mochilas. Caso elas caíssem no riacho, seria difícil de recuperá-las, devido à correnteza.
Logo após os primeiros passos, na pinguela, o professor Luís, perde o equilíbrio e, se não agarra a um dos troncos, cairia inteiro, no riacho. Depois desse incidente, atravessamos a garotada normalmente.
Eu, sem noção do tempo, ali no meio da mata, pois tinha deixado meu relógio na escola, perguntei ao professor Luís quanto tempo faltava para retornamos:
— Não sei mesmo – respondeu-me, constrangido, olhando para a ponte – deixei cair meu relógio, no riacho, ao atravessá-la.
Salve-se..., quem puder! ®Sérgio.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O UNHA DE FOME - Recontando Contos Populares

Conta-se que morava em certa região do sertão, um fazendeiro bonachão, cheio de si e muito rico, porém unha de fome como ele só. Viúvo de muito tempo, só deixava como seu herdeiro dois sobrinhos aos quais em vida – verdade seja dita – nada lhes dera.
Um dia esse fazendeiro, que vivia sempre isolado, foi dado como morto no quarto da casa onde morava. Os sobrinhos foram chamados pelos empregados da fazenda, que trataram de lhe fazer o enterro.
Como o lugar ficava muito distante do arraial, onde seria enterrado, o corpo foi levado numa padiola. Vencida obra de meia légua, a padiola estremeceu e como ia acompanhando o enterro um benzedeiro do lugar, chamaram-no, e o charlatão examinado o fazendeiro avarento - que tentava sentar-se na padiola - tirou do bolso um vidro de cheiro, chegando-lhe ao nariz. O perfume era tão ruim que o avarento se pôs, mais que depressa, sentado na padiola e perguntou-lhe:
— E então, seu benzedeiro, quanto custou o seu trabalho?
E o benzedeiro, querendo aproveitar a ocasião para ganhar algum dinheiro daquele pão-duro, disse-lhe:
— Quase nada, seu Epaminondas, uns cem mil à toa pagam bem.
O avarento do Epaminondas ficou aturdido, meio que tonteou, levantou as sobrancelhas, arregalou os olhos e exclamou:
— Cem mil! Ara sô, tá doido homem! Sabe de uma coisa? Pessoal, toca pro cemitério!
E estendeu-se a todo comprimento na padiola. ®Sérgio.
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Nota: Este texto é uma variante do conto João Preguiça. Nos folclore tradicional português (Algarves) há variantes com o nome de Pedro Preguiça e A Preguiçosa. Alphonse Daudet aproveitou-o em um conto intitulado O Figo e o Preguiçoso.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

NEM ADMIRADOR NEM RESPEITADOR - Notas Biográficas

Por volta de 1865, havia em Coimbra (Portugal) um grupo de estudantes - os futuros realistas - interessados em discutir a possibilidade de modernização da cultura portuguesa. Encabeçavam o grupo Antero de Quental e Eça de Queirós.
Em Lisboa, um grupo conservador liderado pelo poeta romântico Antônio Feliciano de Castilho, não dispensava críticas aos jovens de Coimbra. Castilho, na advertência colocada ao final do livro (posfácio) Poema da Mocidade de seu discípulo Teófilo Braga, fez uma pequena referência ao grupo de Quental, criticando-lhes a "falta de bom senso e de bom gosto".
O poeta Antero, citado nominalmente, prontamente escreveu um violento e debochado opúsculo (folheto) chamado Bom Senso e Bom Gosto, tratando o poeta romântico como causa do atraso português. Essa carta suscitou polêmicas acirradas. Os ânimos se exaltaram a tal ponto que, Antero de Quental e Ramalho Ortigão se enfrentaram num duelo em que esse último saiu ligeiramente ferido.
Leia a seguir, o trecho final da carta pública de Antero de Quental dirigida ao romântico Antônio de Castilho:
"Paro aqui, Exmo. Sr. Muito tinha eu que dizer: mas temo no ardor de discursos, faltar ao respeito a V. Exa., aos seus cabelos brancos. Cuido mesmo que já me escapou uma ou outra frase não reverente e tão lisonjeira como eu desejava. [...] Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Exa. passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem dele confesso não me merecem nem admiração, nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V. Exa. precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de reflexão.
É por esses motivos todos que lamento do fundo da alma não me poder confessar, como desejava, de V. Exa.
Nem admirador nem respeitador.
Antero de Quental
Coimbra, dois de novembro de 1865."
Dizem os entendidos que desta frase de Antero: "A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança", saiu o conhecido ditado: "Não há coisa pior do que velho assanhado e criança precoce". ®Sérgio.

domingo, 4 de abril de 2010

A GALINHA DO VIZINHO - Recontando Contos Populares

Há muito tempo, esta história foi narrada por um caixeiro-viajante; e, na época, tido como verídica. Entrou para a oralidade popular e, hoje, já é ouvida em diferentes localidades do Brasil. Vou recontá-la, porém nas minhas letras.
Quando eu era viajante, tinha sempre de andar a cavalo (não havia estradas de automóveis e, portanto, sequer autos de aluguel ou ônibus) e levava sempre em minha companhia um guia.
Entre os muitos que tive, havia um, muito curioso e perguntador, que tinha por costume de me dar o tratamento (aliás, indevido) de doutor. Cansei de adverti-lo que não era doutor, mas o homenzinho não se consertava. De momento a momento estava ele a dizer-me: seu doutor pra aqui, seu doutor pra acolá.
Certa vez viajávamos num município distante. Íamos silenciosos pela estrada fora. O dia estava lindo e o céu azul com muitas nuvens que se moviam preguiçosas. 
De repente pergunta-me o guia: 
— Por que será, seu doutor, que as nuvens não têm sossego e andam sempre de um lado para outro? 
Sorri, e lhe respondi: 
— Ora essa! Pois você não sabe que as nuvens são, como os homens, ambiciosas e invejosas e procuram tomar o lugar uma das outras, pensando ser, o lugar das outras, melhores que os delas? 
— Lá isso é verdade seu doutor. Bem diz o ditado: “A galinha do vizinho é sempre mais gorda do que a minha”.
— Pois então?
— Tá certo! ®Sérgio.