domingo, 26 de fevereiro de 2012

A CAIXINHA DE SANTO ANTÔNIO - Recontando Contos Populares

Tinha o vigário olhos perscrutadores, vivos e buliçosos; era rosado, gordo e satisfeito; muito vagaroso na missa e rápido na mesa; queridíssimo dos paroquianos da cidadezinha. Não teria maiores problemas com seus fiéis, não fosse o mistério da caixinha de Santo Antônio.
Tudo começou no dia em que ele mesmo resolveu colocar, na caixinha, uma notinha de vinte reais, novinha em folha. É que seus paroquianos não contribuíam muito para a caixinha que ficava ao pé da imagem de Santo Antônio e então tratou de colocar ali a nota de vinte, na esperança de servir de chamariz.
E qual não foi o espanto e depois o susto, quando no dia seguinte, ao recolher as contribuições, notar que, infelizmente, os vinte reais da caixinha desapareceram. Alguém (e não fora o santo) passara a mão no dinheiro antes do vigário.
Aquilo era grave. Desde que fora designado para aquela paróquia nunca tivera um caso de roubo na igreja. A caixinha de Santo Antônio era a que ficava mais perto da porta e isso devia ser a causa de estar sempre vazia. O ladrão acostumara a roubá-la. Devia estar fazendo isto há muito tempo, o que explicava, então, a falta de contribuição; não era omissão de seus paroquianos.
Recolhido no seu silêncio, o vigário "bolava" um jeito de avisar o ladrão de que já sabia das gatunices. Que podia fazer? Chegou à conclusão de que a melhor maneira seria no sermão de domingo, mas não devia magoar os fiéis com a notícia de que na comunidade, havia um gatuno de igreja. Isto poderia tirar o sossego da pacata cidadezinha.
O padre fez o sinal da cruz, atravessou o átrio para dizer a missa. Na hora do sermão pigarreou, lançou em cheio a vista sobre o povo de fieis que assistia à missa, e contou que Santo Antônio lhe aparecera em um sonho para agradecer a certo cristão que deixava uma esmola gorda para os pobres e ainda "limpava" a caixinha, possivelmente em sinal de amor e gratidão a Deus.
Terminado o sermão ninguém notou que o verbo "limpar" tinha sido usado com segundas intenções, mas o padre tinha certeza da que o ladrão se "mancara". Mais cedo ou mais tarde, arrependido, viria se confessar.
Certa manhã, o padre viu chegar o velho que tomava conta da estação. Era um negro forte, de cabelo grisalho, muito tranquilo até a hora de largar o serviço, ocasião que entrava no boteco e enchia a cara. Chegou carregando uma bruta bandeja. Parou na frente do padre e explicou:
— Seu vigário, eu também andei sonhando com Santo Antônio.
— Não me diga! – exclamou o padre, fingindo surpresa, entretanto, certo de que aquele era o ladrão, com remorsos.
— Mas é verdade padre. Sonhei com o santo e soube que ele anda com vontade de comer um leitãozinho. Eu estava engordando este aqui para o meu aniversário, mas tenho idade bastante para não comemorar mais nada.
Dito isso, descobriu a bandeja e o mais apetitoso dos leitõezinhos, assado em forno de lenha, apareceu. O padre sentiu o cheiro de seu prato preferido, mas aguentou firme e disse para o nego velho:
— Deixa a bandeja aí na sacristia que eu entrego o leitão "pro" santo.
O bom ladrão obedeceu. Deixou a bandeja e voltou para casa em estado de graça. Minutos depois o menino que fazia, às vezes, o papel de sacristão na igreja batia à porta com um recado do padre:
— Seu vigário mandou dizer – falou o moleque – que Santo Antônio esta de dieta e que é "pro senhô" ir comer o leitãozinho com ele, logo mais.
Foi um jantar pra santo nenhum botar defeito. ®Sérgio.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O ADJETIVO FIGURADO

Regra geral, o adjetivo vem depois do substantivo. No entanto, por uma questão de ênfase, eufonia, ritmo, ou clareza da frase, pode-se colocar o adjetivo antes do substantivo:
=> O coelho veloz.
=> O veloz coelho.
Em diversos casos, a posição do adjetivo altera o seu significado. Daí dizer-se que, quando colocado depois do substantivo, o adjetivo está no seu sentido real, e colocado antes, no figurado. Veja os exemplos:
=> Homem grande (alto). => Grande homem (eminente).
=> Menino pobre (sem recurso). => Pobre menino (coitado).
=> Amigo caro (oneroso) => Caro amigo (querido amigo).
A anteposição é preferida com adjetivos que exprimem qualidades morais ou físicas, e, sobretudo, em frases exclamativas:
=> Pedro é um bom menino.
=> Que bela paisagem!
=> Que mesquinha vingança!
Há expressões em que o uso fixou a colocação no sentido real, de modo que elas ficariam violadas em sua estrutura e entendimento, se fossem invertidas: mão direita, deputado federal, código civil, Santíssimo Sacramento, etc.
Na linguagem literária, sobretudo em poesia, o adjetivo figurado pode ser usado - em colocações intencionalmente exorbitantes das normas habituais - como recurso de estilo. ®Sérgio.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A GRAMÁTICA TRADICIONAL

Dionísio de Trácia (170-90 a. C.) escreveu a Téchné grammatiké, a primeira gramática tradicional do ocidente. Um livro de quinze págias e vinte e cinco sessões onde ele apresenta uma explicação da estrutura do grego e constituíram a base das formulações gramaticais posteriores. Esta gramática foi preservada até os dias de hoje. Portanto, a gramática tradicional é herança dos gregos, enquanto que a gramática moderna é fruto de pesquisas linguísticas.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

AMOR BANDIDO


O INCONVENIENTE DA ESCRITA

Platão em Diálogos expõe a seu amigo Freudo, o inconveniente da escrita: “A escrita apresenta meu caro Freudo, um grave inconveniente que se encontra de resto na pintura. Com efeito, os seres que esta produz têm a aparência, mas se lhe pusermos uma questão eles guardam dignamente silêncio. O mesmo se passa com os discursos escritos. Poder-se-ia acreditar que falam como seres sensatos, mas se o interrogarmos com a intenção de compreendermos o que dizem; limita-se a significar uma só coisa, sempre a mesma. Uma vez escrito qualquer discurso chegará a todos os lados, e passa indiferentemente por aqueles que nada têm a fazer com ele. Ignora a quem deva ou não dirigir-se. Se fazem ouvir vozes discordantes a seu respeito, se é injuriado injustamente, tem sempre a necessidade de socorro do seu pai. Só por si, com efeito, é incapaz de repelir um ataque e de se defender a si mesmo”. ®Sérgio.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O USO DE "VOCÊ" COMO COLETIVO

Você tem origem no antigo Vossa Mercê e já foi, vassuncê, vossemecê, vosmecê, ocê, cê, etc.
É um pronome de tratamento pessoal. Seu uso [verbal] se dá na segunda pessoa, porém, conjugado como a terceira pessoa (ele). Às vezes substitui o pronome [tu].
Na linguagem oral, é cada vez mais frequente o uso da palavra [você] com valor coletivo. Tomemos como exemplo os seguintes comentários de radialistas esportivos e políticos:
  Quando você bate na bola com o lado do pé...
  Quando você deixa o carro de corrida morrer na largada, deve ir para o fim da fila.
  Quando você aplica no social o dinheiro dos impostos...
É possível observar que os radialistas não estavam conversando com os participantes das atividades esportivas, e sim com os telespectadores que não participam do jogo e nem da corrida.
Segundo Pasquale Cipro Neto¹, "na linguagem formal, culta, é bastante desejável a eliminação desse cacoete. É cansativo, pobre e enfadonho o uso da palavra você como indicador de algo genérico, coletivo".
No caso dos exemplos, bastaria dizer:
  Quando se bate na bola com o lado do pé...
  Quando se deixa o carro de corrida morrer na largada, deve ir para o fim da fila. Ou: Quando o piloto deixa...
  Quando se aplica no social o dinheiro dos impostos... ®Sérgio.
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1 – Pasquale Cipro Neto, Você. Revista Cult, dezembro/98; p.15.