domingo, 24 de outubro de 2010

A REALIDADE E A FICÇÃO EM O GLADIADOR

Sempre que assisto a um bom filme, procuro trocar ideias com amigos e conhecidos a respeito do enredo do filme. O Gladiador, além de arrematar cinco Oscar(es), levou ao cinema, no mundo todo, um grande público. Aqui não foi diferente.
Para a maioria das pessoas com quem tive a oportunidade de conversar, ficou uma indagação: o que era ficção e o que era História. Isso é, exatamente, o que Hollywood não quer dizer. Se disser o entretenimento acaba. Envolvido, também, por esse questionamento, fui pesquisar; e descobri que:
Se você achou que os gladiadores eram mesmo, como aqueles heróis do filme, altos e musculosos, é melhor ficar com Hollywood. Na realidade, a maioria dos gladiadores tinha menos de 1,70m, gordura sobrando e, frequentemente, eram executados nos fundos da arena, com golpes de martelo na cabeça.
Máximo, o Gladiador, protagonista do filme, é pura ficção. Foi inventado.
Do filme Spartacus (1960) foram emprestados três personagens fictícios:
a) Draba, o negro africano que se torna amigo de Spartacus; foi Juba em Gladiador. Também, se torna amigo de Máximo.
b) Batiato senhor de Spartacus; um governante de bom coração. Rebatizado de Próximo, em Gladiador, senhor de Máximo.
c) O cínico Senador Graco que enxerga Roma como ela realmente é: bela e corrupta; foi totalmente emprestado de Spartacus, até seu nome foi mantido.
Spartacus realmente existiu, e foi executado pelos romanos em 71 a.C.
A ideia para ascensão de Cômodo, filho do Imperador, veio do filme Calígula (1980). Demente e apaixonado por sua irmã Drusila (como Cômodo era por sua irmã), Calígula mata o tio (no Gladiador, Cômodo o pai) para se tornar Imperador.
César Marco Aurélio Antonino Augusto - Marco Aurélio para os íntimos, que eram bem poucos - pai de Cômodo, foi, realmente, Imperador Romano durante 19 anos. Além de estar presente nas batalhas, ele achava tempo para escrever sobre filosofia - no que foi bem sucedido, uma de suas obras, Meditações, resistiu ao tempo e chegou ate nós. Marco Aurélio morreu em 180 a.C., vitimado por uma daquelas pestes que eram comuns há 2.000 anos. A epidemia foi propagada pelos próprios soldados do imperador, no regresso de uma campanha militar («higiene» não era exatamente uma das prioridades dos soldados).
Cômodo, na realidade, não assassinou o pai, como na ficção. Por que o faria, se aos cinco anos já tinha recebido o título de César, o que equivalia a uma pré-nomeação para governar o Império Romano. Aos 17 anos foi empossado co-imperador e reinou em conjunto com o pai, Marco Aurélio, durante três anos. Com a morte do pai assumiu o poder e pelos 12 anos seguintes (bem mais que no filme), mandou e desmandou em Roma. Foi um melomaníaco. Tentou mudar o nome de Roma para Comodônia e, substituir os nomes dos meses do ano, pelos seus próprios (ele se chamava César Marco Aurélio Cômodo Antonino Augusto) e pelos títulos honoríficos que recebia do Senado Romano, como Invicto, Félix e Pio. Cômodo, também era um pervertido sexual (hobby de muitos imperadores romanos). Morreu em 192 a.C., estrangulado por um dos seus protegidos, um atleta chamado Narciso Mérida. Aliás, no primeiro rascunho do filme, o protagonista (Máximo) era chamado de Narciso. A preferência por Máximo Décimo Merídio veio a calhar, quem iria torcer por um herói chamado Narciso Mérida? 
O que parecia mais improvável no filme é mesmo verdade: Cômodo fazia suas estripulias na arena do Coliseu, matando feras e enfrentando gladiadores, embora haja sérias dúvidas quanto à qualidade e a motivação dos oponentes que eram escalados para medir forças com o imperador. As más línguas dizem que Cômodo era filho ilegítimo. Havia o boato de que a rainha Faustina teve uma aventura com um gladiador. Esse detalhe, omitido no filme, talvez explicasse a fascinação que os jogos de gladiadores exerciam sobre Cômodo.
Lucila, a irmã mais velha de Cômodo, realmente o detestava. No segundo ano de mandato do irmão armou uma conspiração para assassiná-lo. Mas a Lucila real não teve a mesma sorte que a da ficção: Cômodo a deportou para a ilha italiana de Capri, perto de Nápoles e, logo após, ordenou sua execução.
A reconstituição arquitetônica do Coliseu, no filme é exemplar; alojava algo em torno de 50000 pessoas. A carnificina não era somente diária, mas durava de sol a sol, isto é, a qualquer dia, e a qualquer hora, quem fosse ao Coliseu veria algum espetáculo. Essa era a teoria dos organizadores: enquanto o povo estivesse ocupado vendo combates sangrentos não se preocuparia com outras coisas, como uma revolução (será por isso que temos tantos e enormes estádios de futebol e poucos hospitais?). Daí vem à famosa frase: pão e circo!
O nome Coliseu, entretanto, só aparecerá 1.000 anos depois da época do filme. Na época de Marco Aurélio e Cômodo, o estádio era chamado de Anfiteatro Flaviano.
SPQR - a sigla tatuada que Máximo raspa do braço quando decide levar a sério a carreira de Gladiador -, significa: "para o Senado e o Povo de Roma" (Senatus Popules Que Romanus). Tinha a tatuagem porque pertencia a uma classe inferior, a dos soldados. Gente fina não se tatuava no tempo dos Romanos, só a ralé. É daí que surgiu uma expressão usada até hoje, «ele carrega um estigma». A palavra latina para tatuagem era estigma. ®Sérgio.

ESCRAVOS DE NOSSAS IDEIAS E AÇÕES

Certa vez, ouvi numa roda de prosa, o seguinte comentário: fulano tem umas manias esquisitas... Até certo ponto, é um comentário bem comum nas conversas informais. Se formos raciocinar sem preconceitos, chegaremos à conclusão que todo mundo tem lá suas manias, principalmente, se já somam uma boa quantidade de anos vividos. Eu tenho minhas manias e, certamente, você tem as suas. No entanto, devemos tomar cuidado para que essas manias não se extrapolem. Por diversos motivos, ainda não totalmente esclarecidos pela ciência, as manias podem se transformar em doenças chamadas cientificamente de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), transformando-nos "em escravos de nossas próprias ideias e ações". Santo Inácio de Loyola (1491-1556), antes de se converter, era um soldado extremamente vaidoso e tinha uma vida fútil. Depois de convertido, o fundador da Companhia de Jesus, passou a carregar uma enorme culpa pelo seu passado e como não conseguia livrar-se desta culpa, pois estava sempre presente em sua mente desenvolveu a mania de confessar sempre os mesmos pecados. "Ele começava a recordar seus pecados e, como num rosário, ia pensando de pecado em pecado, e lhe parecia de novo que estava obrigado a confessá-los outra vez."¹
Pior ainda, são as manias da professora Denisse (44 anos). Veja o relato: "O tormento começou aos 12 anos, quando minha avó morreu e eu me culpei por não estar ao lado dela. Minha primeira mania: toda vez que passava pela imagem de um santo que tinha em casa, tinha de tocá-lo e me benzer. Se eu não cumprisse esse ritual, tinha certeza de que, quando eu completasse quinze anos, minha mãe morreria. Todos os anos, como nada de ruim acontecia, eu estipulava uma nova idade para a suposta catástrofe. Foi assim até o 38º aniversário. Logo depois que minha avó morreu, vi um filme de terror em que os filhos do diabo tinham o número seis tatuado no braço. Desde então tenho pavor do número seis. Eu sou compelida a realizar uma tarefa inúmeras vezes. Do contrário sinto que as pessoas que amo podem sofrer algum mal. Todas as noites antes de dormir, tenho de cumprir um ritual que leva até três horas. Eu deito; imediatamente me levanto, e vou ao banheiro. Na volta para o quarto, tenho de tocar na imagem de Jesus Cristo pendurada no corredor. Antes de me deitar novamente, encosto-me a cada um dos santos que tenho no quarto. Ao todo são quase trinta imagens. Deito e pego “o santinho” que guardo debaixo do travesseiro e me benzo três vezes. Já aconteceu de eu repetir esse ritual 21 vezes. É como uma avalanche. Quando começa, é impossível parar. A angústia de não fazer o que minha mente pede – por mais ilógico que seja – é pior do que repetir as ações sem parar".
Não seria sem razão dizer que Denisse é como Sísifo, personagem de Odisseia, poema épico de Homero. Como castigo por ter enganado Zeus, Sísifo foi condenado a levar uma pedra enorme até o topo de uma montanha e deixar rolá-la até o sopé para começar tudo de novo. ®Sérgio.
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1- Relato do biógrafo de Santo Inácio, sobre confissão feita no mosteiro beneditino de Montserrat, em meados do século XVI.