segunda-feira, 17 de agosto de 2009

MORREU, MAS NÃO PAGOU

O sofrimento está por toda a parte. Mas há pessoas que poderíamos dizer mais infelizes do que outras, e que têm sempre de enfrentar doenças, desgraças e provações de todo o gênero. Esse é o caso do aposentado Calos Bonfim que morreu de enfarte.
Durante seu velório, na cidade baiana de Ilhéus, Carlos e a família receberam uma visita inesperada, que deixou a todos consternados.
Silvado de Jesus, da funerária Árvore da Vida, alegando não ter recebido a primeira das três prestações de 210 reais pelo caixão que Carlos ocupava, não titubeou: Jesus tirou Bonfim da “urna funerária”, colocou-a sobre a cabeça e foi-se embora, lamuriando-se: “Ele esta morto, mas eu estou vivo, pô!”
— Tá certo, dívida não morre! - Diz-me um amigo. ®Sérgio.

O CASO DO PÃO DORMIDO - Recontando Contos Populares

Seu Otacílio, capataz da fazenda, relatou-me diversos causos, todos acontecidos lá pelas bandas de Minas Gerais, donde ele é natural. E, dos que em mente guardei, o melhor é este que vou recontar. Foi o seguinte:

Havia numa cidade do sertão mineiro, um português, seu Baltasar, que tocava uma padaria. De domingo a domingo, nas primeiras horas da madrugada, ele saía a entregar os pães para a freguesia de caderneta.

Numa manhã cinzentas, ameaçando uma trabuzana d’água, e o vento assobiando danado de brabo... murmurando na folhagem, seu Baltasar, sem mais esperar, pôs as costas o cesto cheinho de pães ainda quentinhos e tratou de ir entregá-los. O vialarejo ainda dormia, nenhuma alma viva pela redondeza, que se pudesse contar. Por isso mesmo, é que o velho português, para acordar a freguesia, gritava: — Padeeeiro! E na casa seguinte: — Padeeeiro! E assim ia de casa em casa.

Para alcançar a moradia de mais um freguês, passava seu Baltazar ao lado do cemitério, que parecia devastado por falta de cuidado, muros caindo, o capim alto... Numa madrugada noiteira como aquela, sem sol, seu Baltazar arrepiou-se todo; arrepiou-se mais ainda quando teve a impressão de ter sido chamado lá de dentro. "Ao pé dos cruzeiros há sempre uma alma", pensou. Ia saindo de fininho, jurando nunca mais ali passar, quando ouviu uma voz fraquinha, perguntar de dentro do cemitério:

— Tem pão dormido?...

Você calcule, o velho padeiro ficou aturdido, deu-lhe um passamento pelo corpo, tonteou, escureceu-lhe a vista; queria sair dali avoando que nem um corisco, sem olhar pra lá nem pra acolá, mas não conseguia. E paralisado ficou por uns minutos.

Mal acabara de colocar a cabeça em ordem e trocar uns passos, quando ouviu, novamente, a mesma vozinha:

— Tem pão dormido?...

Ixe! Foi a conta. Baltazar tacou longe a cesta de pães e..., agora sim, saiu avoando que nem um corisco, rua abaixo, numa correria despinguelada.

Enquanto isso, lá no cemitério, ouvia-se as gargalhadas da alma, porém de uma alma viva. O coveiro que acordara de madrugada para trabalhar, estava com fome e apenas queria comer, da freguesia do Baltazar, um pãozinho quentinho. ®Sérgio.