domingo, 31 de janeiro de 2010

PÉS DISFORMES - Notas Biográficas


Cândido Torquato Portinari (1903-1962), o pintor brasileiro a alcançar maior projeção internacional. Pintou desde pequenos esboços a gigantescos murais, construindo um acervo de mais de cinco mil obras.
Por outro lado, Portinari foi muito criticado por de formar suas figuras humanas. No início da década de 1940, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, era acusado de antinacionalista por retratar os trabalhadores com braços e pernas desproporcionais, como se sofresse de elefantíase. Na verdade, as telas de Portinari são enaltecimentos àqueles trabalhadores, como nos explica o pintor:
"Impressionavam-me os pés dos trabalhadores das fazendas de café. Pés disformes. Pés que podem contar uma história. Confundiam-se com as pedras e os espinhos. Pés sofridos com muito e muitos quilômetros de marcha. Pés que só os santos têm. Sobre a terra, difícil era distingui-los. Os pés e a terra tinham a mesma moldagem variada. Raros tinham dez dedos, pelo menos dez unhas. Pés que inspiravam piedade e respeito. Agarrados ao solo eram como os alicerces, muitas vezes suportavam apenas um corpo franzino e doente. Pés cheio de nós que expressavam alguma coisa de força, terríveis e pacientes." ®Sérgio

O TEATRO DE GIL VICENTE

O teatro vicentino tem como característica principal a sátira. Por meio dela Gil Vicente criticou todas as camadas sociais: a nobreza, o clero e o povo. Apesar de sua extrema religiosidade o alvo das sátiras de Gil era o frade que se entregava enlouquecidamente aos amores proibidos, a venda de indulgências, ao misticismo, ao mundanismo, à depravação dos costumes.
Gil não fez exceção na hierarquia clerical; criticou desde o frade de aldeia até o papa. No âmbito dos fiéis, criticou aqueles que rezavam mecanicamente; os que solicitavam, a Deus, favores pessoais e os que assistiam às missas por obrigação social:
Sapateiro: Quantas missas eu ouvi, / nom me hão elas de prestar?
Diabo: Ouvir missa, então roubar – / é caminho para aqui.
(diálogo entre um sapateiro e o Diabo; enxerto do Auto da Barca do Inferno)
Digno de observação é que, no teatro de Gil Vicente, o diabo nunca força ninguém ao pecado. As próprias pessoas o cometem por si só. Por exemplo: na peça Auto da Feira, o Diabo, do mesmo modo que um camelô, monta sua banca para oferecer os pecados, quando é interpelado por um anjo e assim argumenta o Diabo:
[...]
Mas cada um veja o que faz,
porque eu não forço ninguém.
Se me vem comprar
qualquer clérigo, ou leigo, ou frade
falsas manhas de viver,
muito por sua vontade,
senhor, que lhe hei-de-fazer?
Outra classe social muito criticada por Gil foi a baixa nobreza, representada pelo fidalgo decadente. Por outro lado, ele tinha especial carinho pelo "lavrador", que considerava o "verdadeiro povo", vítima da exploração de toda a estrutura social.
Sempre é morto quem do arado
há-de viver.
Nos somos a vida das gentes,
E morte de nossas;
A tiranos – pacientes
Que a unhas e a dentes
nos tem as almas roídas.
[...] (excerto do Auto da Barca do Purgatório)
Dos outros tipos humanos que povoaram os textos de Gil Vicente temos: O judeu ganancioso; a velha beata, o médico incompetente, a mulher adultera, o padre corrupto, o sapateiro que rouba o povo, a alcoviteira, o velho apaixonado que se deixa roubar. Gil Vicente não tem a preocupação de fixar tipos psicológicos, e sim sociais. A maior parte dos personagens de seu teatro não tem nome de batismo, sendo designados pela profissão ou pelo tipo humano que representam.
Quanto a forma (cenários e montagens) o teatro de Gil é extremamente simples. O texto apresenta estrutura poética, com predomínio da redondilha maior, havendo varias cantigas no corpo de sua peça.
A produção completa de Gil Vicente constitui-se de 44 peças, sendo 17 escritas em português, 11 em castelhano e 16 bilíngues.
A quem interessar, você pode baixar neste link o Auto da Barca do Inferno. ®Sérgio.
Tópicos Relacionados: (clique no link)
____________________
Os excertos foram extraídos de: Vicente, Gil. Teatro de Gil Vicente. 5ª Ed. Lisboa, Portugália.
Algumas informações foram extraídas e adaptadas ao texto de: Nicola, José, Literatura. São Paulo, Scipione, 1998.

O FICCIONISTA NÃO É O NARRADOR DA FICÇÃO

É comum, numa narrativa de ficção, o leitor confundir o ficcionista, autor da narrativa, com o narrador da história.

Autor e narrador são seres diferentes. O autor (contista, novelista, romancista) é um uma pessoa de carne e osso, que se utiliza de uma voz, ou seja, de uma personagem fictíciao narrador - para nos contar aquilo que ele cria, imagina, inventa. Portanto, o narrador só existe no texto. O autor pode, então, ser entendido como a pessoa que se oculta atrás de uns narradores para relatar de uma determinada maneira, determinados fatos. Assim sendo, cada autor cria um narrador diferente para cada obra.

Essa diferença nem sempre é percebida porque, não raro, autores e narradores se utilizam das mesmas categorias pronominais, nas narrativas em primeira pessoa, para se identificarem: "Eu". Da mesma maneira que dizemos: Eu tinha 12 anos quando...

No entanto, mesmo quando uma história é narrada na primeira pessoa, não podemos dizer que é o autor que fala. Pois, no mais das vezes, o escritor pode criar narradores completamente avessos a sua maneira de ser e de pensar. Mais ainda, pode colocá-los em outro espaço e num outro tempo, em tudo diferente do seu tempo e espaço.

Tomemos como exemplo o personagem-narrador Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis) que, apesar de estar morto, narra suas memórias:

"Algum tempo hesitei se deveria começar estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor [...]."

Portanto, não há nenhuma relação entre Machado de Assis e Brás Cuba. Daí, podemos concluir claramente, que Brás Cubas (narrador) é pura obra de ficção. No romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, o narrador Honório "vê" o mundo à sua volta através dos valores de um capitalismo primitivo; ponto de vista totalmente contrário ao de Graciliano. ®Sérgio.

Tópicos Relacionados: (clique no link)

A Narrativa de Ficção.

O Tempo na Narrativa de Ficção.

A Personagem na Narrativa de Ficção.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O ESCRITOR DOS LIVROS PROIBIDOS - Notas Biográficas

"Crê nos que buscam a verdade, duvida dos que a encontraram." (Gide)
Filho de uma austera família protestante, André Paul Guillaume Gide (1869-1951), cresceu num ambiente em que a religião era imposta com rigidez. Em 1877, é admitido na École Alsacienne, um internato, iniciando uma péssima escolaridade. Logo, é suspenso por três meses por se deixar levar pelo seu "mau hábito" (leia-se masturbação), o que levou um médico a sugerir a castração. Nos três meses que passou em casa cura-se do "mau hábito", motivado pelas ameaças de castração e pela tristeza de seus pais. Pouco depois de seu regresso à escola, o "mau hábito" reincide e torna-se um de seus hábitos (sem deixar de sentir-se um pecador) até aos 23 anos, quando escreveu que viveu até essa idade "completamente virgem, mas depravado".
Nas Elégies Romaines, Gide descobre a legitimidade do prazer - em oposição ao puritanismo que sempre havia conhecido - que resulta para ele numa "tentação de viver". A iniciação de Gide no "amor que não ousa dizer seu nome" deu-se numa viagem pela Tunísia, Argélia e Itália (na época rota do turismo gay). Em Sousse (situada na costa leste da Tunísia) Gide encontra a libertação moral e sexual, que sempre ansiara, no prazer que um jovem rapaz lhe proporcionou.
Liberto, deixa sua literatura sair do armário com Córidon¹ (Corydon), um ensaio que tem por objetivo combater os preconceitos sobre a homossexualidade e a pederastia. Adota, nesse ensaio, a concepção grega da pederastia, que tem por base o amor entre um homem mais velho e um jovem – um amor que seria ao mesmo tempo físico e "pedagógico", com o amante maduro no papel de mestre. Os amigos, a quem Gide mostrou os rascunhos, assustaram-se com a possibilidade de um grande escândalo. Eles advertiram-no em relação ao impacto que poderia ter tanto em sua vida pública quanto privada. De maneira que em 1910, Gide manda, discretamente, imprimir apenas os dois primeiros capítulos, anonimamente. Só em 1924 (dez anos depois) publica-o na íntegra e em seu nome.
Em outra faceta de seus romances: o tratamento sarcástico da religião, temos Os Porões do Vaticano² (Les Caves Du Vatican – 1914), um romance burlesco de teor satírico e trama intricada, na qual uma dupla de golpistas convence uma condessa de que o papa foi raptado e um impostor está em seu lugar. Pela sátira irreverente, essa narrativa coloca o autor na linha de Rebelais e Voltaire.
A Sinfonia Pastoral³ (La Simphonie Pastorale - 1919), escrito em forma de diário, explorou a hipocrisia que se disfarça de piedade cristã e dever. É a história de um pastor protestante que adota Gertrude uma menina cega. Com medo de que Gertrude o ame menos do que seu filho, o pastor seduz a menina às vésperas de uma operação, que pode restaurar sua visão. Após a operação bem-sucedida, Gertrude compreende a verdade sobre as pessoas ao seu redor e comete suicídio.
No romance Os Moedeiros Falsos4 (Les Faux Monnayeurs -1925), Gide traz três personagens envoltos em relações atormentadas – dois jovens estudantes, Oliver e Bernard e o escritor Édouard, tio de Oliver. O protagonista, Édouard, se apaixona por seu sobrinho, desenvolvendo o que Gide considerou uma construtiva relação homossexual que termina com o suicídio de um dos personagens.
O inédito Diário dos Moedeiros Falsos (Journal Des Faux-Monnayeurs - 1927) - lançado agora no Brasil pela editora Estação Liberdade e tradução de Mario Laranjeira – trata-se do diário que o escritor manteve durante a composição do romance Os Moedeiros Falsos. Representa uma incursão no processo criativo de Gide, que dialoga com os personagens e dá conselhos, a si próprio.
O Pombo-Torcaz, também inédito e lançado agora no Brasil pela Estação Liberdade, tradução de Mauro Pinheiro; é um conto autobiográfico publicado em 1907. Descreve a noite que o escritor passou com o jovem Ferdinand em Bagnols-de-Grenade, perto de Toulouse (pombo-torcaz, é uma espécie de pombo muito comum na Europa, é o apelido dado pelo escritor ao amante adolescente, porque Ferdinand "arrulhava" ao fazer sexo). O relato esteve guardado nos arquivos de Gide até recentemente, quando Catherine Gide, sua única filha, autorizou a publicação.
Em 1947, Gide recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, e no mesmo ano tornou-se doutor Honoris Causa pela Universidade de Oxford.
Morre no dia 19 de Fevereiro de 1951.
Outros livros publicados em língua portuguesa: A Escola das Mulheres, 1944; A Porta Estreita, 1984; A Volta Do Filho Pródigo, 1984; De Volta da U.R.S.S, 1937; Isabel, 1985; O Imoralista, 1991; O Processo de Franz Kafka, 1962; Os Frutos da Terra, 1982; O Pensamento Vivo de Montaigne, 1975; Paludes, 1988.
Em 1952, a sua obra foi incluída no Índex de livros proibidos pelo Vaticano. ®Sérgio.

____________________
1 - Córidon. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1985.
2- Os Subterrâneos do Vaticano. Sao Paulo: Abril Cultural. 1982.
3 - A Sinfonia Pastoral. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1985.
4 - Os Moedeiros Falsos. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1983.

SÍNDROMES BIZARRAS

Se eu lhe dissesse que há pessoas do sexo feminino que desenvolvem aversão e medo irracional, mórbido, desproporcional, persistente ao sexo masculino, você acreditaria? Pois, pode ir acreditando. Trata-se de uma fobia (entre as muitas possíveis) chamada "androfobia". Tal aversão e medo podem desencadear-se a partir de uma experiência traumática.
Mas essa fobia é, entre as doenças psiquiátricas, a menos bizarra, veja estas outras que selecionei:
A Celebriphilia é um distúrbio em que a pessoa sente um desejo anormal e intenso de fazer sexo ou manter uma relação romântica com uma celebridade, ânsia que consome suas atividades diárias. Que o digam as "Marias-chuteiras".
A Síndrome do Sotaque Estrangeiro faz com que a pessoa fale sua língua nativa com sotaque estrangeiro. Por exemplo: uma pessoa nascida no Ceará, falando com sotaque francês. Conheço uma pessoa que "amaria" ter essa síndrome (o sotaque, francês).
A Síndrome de Tourette é um distúrbio genético que começa geralmente na infância e se caracteriza por tiques motores (piscar, fazer caretas, entortar o pescoço, etc.) e sonoros (falar palavrões, pigarrear, tossir, etc.).
A Síndrome de Munchausen é um transtorno em que as pessoas afetadas, deliberadamente induzem os outros a acreditarem que elas (ou seus filhos) têm sérios problemas médicos ou psicológicos. De modo que, por exemplo, chegam até falsificar resultado de exames.
A Síndrome de Capgras é de uma bizarrice sem par. Trata-se de um quadro delirante raro, em que o paciente não reconhece seus familiares como tal, agindo como se fossem impostores. Geralmente o alvo da desconfiança é uma pessoa bem próxima (um filho ou os pais).
A Síndrome do Dr. Strangelove é uma doença neurológica na qual a mão da pessoa parece adquirir vida própria, pois passa a realizar movimentos involuntários, executando tarefas complexas, como abrir botões e retirar roupas, muitas vezes sem perceber.
Tem muito marmanjão que usa essa síndrome como desculpa para a conhecida "mão-boba"; principalmente em coletivos e metrôs lotados. É ou Noé? ®Sérgio.