Ele foi cavando,
cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas, de repente, na
distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova
e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que sozinho não conseguiria
sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de
gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova,
desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu
o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o
cemitério estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais do mato. Só pouco
depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o
coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria apareceu lá em cima,
perguntou o que havia: “O que é que há?”
O coveiro então gritou desesperado: “Tire-me
daqui, por favor. Estou com um frio terrível!” – “Mas, coitado!” – condoeu-se o
bêbado. – “Tem toda a razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de
você, meu pobre mortinho!” E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a
cobri-lo cuidadosamente.
Moral: Nos momentos
graves é preciso verificar muito bem para quem apela. ®Sérgio.
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¹ - Fernandes, Millôr, Socorro. Fábulas
fabulosas. Rio de Janeiro, Nórdica, 1977. p.13.