segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O DESPERTAR DE POETA

Arrastava-me para o ermo um sentimento íntimo, o sentimento de haver acordado, vivo, ainda, deste sonho febril chamado vida, e que hoje ninguém acorda, senão depois de morrer.
Sabeis o que é esse despertar de poeta?
É o ter entrado na existência com o coração que transborda de amor sincero e puro por tudo quanto o rodeia, e ajuntarem-se os homens e laçarem-lhe dentro do seu vaso de inocência lodo, fel e peçonha e, depois, rirem.
É ter dado as palavras – virtude, amor, pátria e glória – uma significação profunda e, depois de haver buscado por anos a realidade delas neste mundo, só encontrar hipocrisia, egoísmo e infâmia:
É o perceber a custa de amarguras que o existir é padecer, o pensar descrer, o experimentar desenganar-se, e a esperança nas coisas da terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo tênue que ondeia em horizonte aquém do qual esta assentada à sepultura. (Fragmento de Eurico, O Presbítero de Alexandre Herculano¹) ®Sérgio.
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 (1) Alexandre Herculano. Eurico, O Presbítero São Paulo, Ática, 1991. p. 21.