quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A ALMA PENADA - Meus Contos

Conta-se que em uma cidadezinha do interior, uma velha senhora - viúva de muito tempo - vivia em companhia de um chipanzé que ganhara nos idos tempos em que era artista circense. Certo dia, ela caiu doente, e a cada dia adoecia cada vez mais; já nem saia mais do quarto, de modo que teve de ser amparada pelas suas comadres. Vencida, afinal, pela enfermidade e pela velhice, entregou a alma a Deus, confortada com a comunhão e a extrema unção realizada pelo padre da paróquia.
Enquanto as beatas preparavam as cerimônias fúnebres e rezavam os últimos ofícios pela defunta, o chipanzé, num canto do quarto, observava tudo com muita atenção. As comadres amortalharam o corpo e o colocaram no caixão; veio o padre e, juntamente com a irmandade religiosa, realizou as cerimônias de costume: fazer as orações pela alma da defunta e cantar os hinos. Em seguida, o corpo foi levado para a igreja, que ficava próxima, para que se desse o velório.
O macaco que durante a encomenda do corpo não dera um pio, mas observara tudo; agora voltava a atenção às coisas que o rodeavam. Começou a despejar as gavetas e a examinar o que continham. Como tinha observado à defunta nos seus trajes mortuários; a forma como tinha a cabeça coberta pela mortalha; o macaco começou a se vestir exatamente do modo que presenciara. Mas, cansado da brincadeira, deitou-se na cama, jogou por cima de si o lençol que cobrira a defunta e ali se deixou ficar até adormecer.
O velório prosseguia na igreja, quando uma das comadres lembrou-se de que, a falecida havia lhe pedido para ser enterrada junto com bíblia dela. Então, as comadres retornaram a casa da falecida para buscar o livro santo. Quando entraram no quarto e viram o macaco amortalhado, fugiram aterrorizadas, pensando terem visto a alma da defunta. Na igreja, depois de tomarem água com açúcar e recuperado o fôlego, contaram que tinham visto a alma da falecida comadre repousando no leito onde estivera doente.
A notícia se espalhou mais que depressa pela freguesia e a comunidade correu, curiosa, para a igreja. Dois incrédulos disseram que as comadres estavam "vendo coisas" e resolveram ir ao quarto da falecida para desfazerem o mal-entendido. Como a noite se aproximava, sentiram - apesar de demonstrarem indiferença - uma sensação desagradável ao entrarem no quarto. Aproximaram-se da cama e sentiram algo respirar por baixo do lençol; quando perceberam que o lençol se movia como se quisesse saltar da cama, fugiram rua abaixo, numa correria despinguelada, até o interior da igreja.
Comprovada a existência da alma penada, chamaram o padre e o caso lhe foi explicado. O padre bebeu uma grande taça de vinho, ficou um instante a refletir e, então, pediu ao sacristão para lhe trazer a grande cruz de madeira, a bíblia e o vaso de água benta. Colocou a estola e julgando-se armado para afugentar aquela alma demoníaca, seguiu com suas beatas para a casa da defunta.
Entoando os sete salmos e orações, subiram as escadas. Ia o sacristão, por ordem do padre, à frente do cortejo, com a cruz erguida. Quando chegaram à porta do quarto, apesar da água benta que o padre vinha espalhando por todos os cantos, o cortejo se deixou ficar para trás, enquanto o valente sacerdote ordenava ao sacristão que avançasse. Aproximando-se da cama viram o chipanzé amortalhado, como se fosse uma alma penada. Murmuraram algumas orações, agitaram a cruz durante algum tempo, e nada da alma ir embora. Com vergonha de recuar, o sacerdote começou a espalhar água benta em grande quantidade, gritando: “Vai-te embora satanás, vai-te embora...” e tacou uma porção bem servida de água benta sobre o macaco, enquanto o sacristão agitava freneticamente a cruz por cima da alma. O chipanzé temendo ser cumprimentado com uma pancada da enorme cruz, começou a fazer careta e a guinchar de um modo tão macabro, que o vaso sagrado caiu das mãos do padre e o sacristão deixou tombar a cruz, fugindo, ambos, na maior carreira. Tal era a pressa que o padre caiu por cima do sacristão, e, rolando escada abaixo, estatelaram-se no piso da casa.
Ao ouvirem os gritos do padre: Jesus! Jesus!... As beatas, que o aguardavam no jardim, correram ao seu encontro. Perguntavam, enlouquecidas, o que tinha acontecido. Os dois olhavam para elas, estarrecidos, sem conseguirem prenunciar uma palavra sequer. Por fim o padre teve força suficiente para dizer:
— Minhas filhas, é verdade, vi a falecida na forma de um feroz demônio...
Mal ele tinha acabado de pronunciar estas palavras, desce, pela escada banhada de água benta, o chipanzé envolto da cabeça aos pés num lençol branco. E o resto vocês podem imaginar. ®Sérgio.
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Este conto foi inspirado na obra de Matteo Bandello (1485-1561), escritor italiano. Muitos escritores famosos, que surgiram depois, foram buscar fonte de inspiração para seus textos nos escritos de Matteo; não escapando o próprio Shakespeare, que retirou assunto para Romeu e Julieta.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

DONA MARIA, A LOUCA

Cícero escreveu, certa vez, que "viver na ignorância do que aconteceu antes de nascermos é ficar para sempre na infância. Pois qual é o valor da vida humana se não a relacionarmos com os eventos do passado que a história guardou para nós”?
Depois que tomei conhecimento desse aforismo de Cícero, acatei seu conselho. Daí por diante, leio qualquer evento do passado, que me caia as mãos. E foi assim que li, numa recente brochura, alguns fatos, ainda não detalhados, de nossa História Colonial, relacionados, mais precisamente, a família real. Achei o assunto interessante e tenho certeza de que também o achará. De modo que vou repassá-lo.
O Livro reconstitui em detalhes a história da loucura da rainha D. Maria I, de Portugal, também chamada de Dona Maria, a Louca. Não vou, é claro, transcrever todos os detalhes, somente alguns pontos deles que achei interessante a nós.
A depressão e a loucura tinham raízes na família de Dona Maria. Seu tio Fernando VI, depressivo, trocava o dia pela noite e obrigava toda a corte a fazer o mesmo. Certa ocasião chegou a ficar sem mudar de roupa por um ano. Fernando era, realmente, uma vergonha para a depressão; não acha?
Além das raízes, a vida de Dona Maria foi marcada por tragédias que provavelmente contribuíram para sua doença. Como seu pai não teve filhos homens, a dinastia dos Bragança ficava, desse modo, em risco. A solução foi casá-la com um tio, Dom Pedro III. Casamento entre parentes, você já sabe, só traz problemas. Dona Maria perdeu cinco de seus seis filhos, três deles ainda criança. Num espaço de dois anos ela viu morrer o marido, o filho primogênito - de varíola, pois ela se recusou a vaciná-lo por motivos religiosos - e uma filha.
Em fevereiro de 1792, quando voltava do teatro, Dona Maria - aos 57 anos - "surtou" em público. Ela gritava, pedia ajuda divina e dizia ter visões do inferno, mais exatamente com as penas eternas que o pai estaria sofrendo no inferno, por ter permitido a Pombal perseguir os jesuítas. Depois desse surto, delírios constantes passaram a atormentá-la. Documentos da época demonstram que já fazia cinco meses que a rainha vinha alternando momentos de melancolia e agitação. Olha a bipolaridade aí gente.
A rainha foi examinada por 21 especialistas, que tentaram banhos frios, sangrias e evacuações forçadas. Não era mole ser bipolar naquela época. Banho frio ainda vai, mas o resto... Francis Willis, um famoso médico inglês diagnosticou que o caso da rainha, era um caso perdido. Com isso Portugal entrou num período de luto. Os espetáculos públicos foram proibidos e a família real se enclausurou no palácio. Ela só voltou a aparecer em publico quando a família real se mudou para o Brasil. Foi embarcada a força.
Dona Maria (a Louca), apesar de tudo, tinha berço esplêndido o que amenizou um pouquinho o sofrimento dela. Se não tivesse, se fosse povo; naquela época seria jogada num asilo para loucos e isolada do mundo, numa pocilga, para sempre. ®Sérgio.

ENTRE RISADAS E GRACEJOS

Disse, certa vez, Inês Pedrosa que “só aos amigos é dado o espetáculo da nossa miséria”. Portanto, sou bipolar, hiperativo nuns dias, depressivo noutros; talvez um pouco neurótico; esquizofrênico não, mas já cheguei a pensar que era. Passei por duas depressões brabas que exigiram internação. Mas, agora, os remédios controlam eficazmente a situação.
Na época das internações, o que as minhas visitas mais me perguntavam, era: como são as pessoas aqui? Respondia-lhes: como em todo o lugar! Mas... não eram como em todo o lugar. Eram pessoas trôpegas, enfraquecidas, deformadas pelas sequelas da insanidade, algumas saídas das pocilgas da rua, onde vagueavam dias após dias, carregando seus delírios.
Na clínica, elas continuavam caminhando dia após dia, só que de um canto a outro do pátio, sempre numa única direção, perfazendo um curso de quilômetros em um só dia.
Mas, lá acontecia algo inacreditável: essas pessoas tinham a coragem de rirem. Trocavam dizeres zombeteiros. Apelidavam-se, ridicularizando suas próprias desgraças. Riam da própria infelicidade.
Diziam, entre risadas e gracejos, "que lá o diabo não entrava para não ficar com complexo de inferioridade do inferno". ®Sérgio.

O TEATRO MELODRAMÁTICO

No princípio do século XVI, o melodrama indicava a tentativa de reproduzir as características do teatro greco-latino, ou seja, buscava a união da ação teatral e a música. Dessa tentativa, no final do mesmo século, o melodrama passou a ser considerado sinônimo de «ópera»; e assim permaneceu até meados do século XVIII. A seguir, passou a designar a declamação de qualquer texto com acompanhamento musical. De 1790 em diante, finalmente o melodrama perde o suporte musical e passa a ser um tipo de peça autônoma, em prosa e de caráter eminentemente popular, visto que o intelectualismo das classes mais elevadas deixa as pessoas muito racionais e menos emocionáveis.

Para ser mais preciso, o melodrama teatral surge oficialmente como gênero em 1800 com a obra «Coeline» de René-Charles Guilbert de Pixérécourt (1773-1844), autor de sessenta e três melodramas, definindo um tipo de espetáculo cênico em torno de ingredientes fáceis, explorados ilimitadamente: o sentimentalismo (não raro beirando o patético), o suspense, assassínios, mistérios, incêndios, cenas de medo, equívocos que se desfazem por milagre, ritmo ofegante, sem obediência à verossimilhança, epílogos felizes, linguagem despojada e de imediato entendimento. Daí seu caráter popular; é a oportunidade de purificação (catarse) dos mais pobres, menos intelectualizados, pois esse era o objetivo do melodrama: impressionar e comover cada espectador.

O melodrama teatral surgiu com grande sucesso de público em temporadas que, pela primeira vez na história do teatro, ultrapassaram as mil representações, isto o fez o primeiro gênero teatral de características internacionais do século XIX; e, posteriormente, fez com que o melodrama teatral fosse absorvendo e exportando elementos a todos os estilos, formas e gêneros artísticos que surgiram durante este período, como o Drama Romântico e, principalmente, o Folhetim.

Uma das vertentes do melodrama foi o gótico, onde o autor apresentava como personagens, espíritos que retornavam de outra dimensão para exigir justiça, fantasmas, acontecimentos sobrenaturais.

Ao final do século XIX, as novas propostas estéticas que surgiam, passaram a considerar as formas de interpretação do melodrama antinaturais, ou melhor, sinônimo de uma interpretação exagerada, de apelo fácil à platéia.

Não obstante, ter sido substituído pelo drama romântico, o melodrama deixou marcas permanentes no teatro e na própria ficção, e chegou até nossos dias. Além de eventuais representações que lembram o velho estilo, é visível a sua presença nas novelas, mini-séries, seriados, tele-comédias, programas de auditórios, entre outros. Todos buscando uma linguagem popular para um o telespectador comum. ®Sérgio.

Tópicos Relacionados: (clique no link)

O Teatro Elisabetano.

O Teatro dos Mistérios.

O Teatro das Moralidades.

O Teatro dos Milagres.

Comédia Dell' Arte.

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Informações foram extraídas e adaptadas ao texto de:

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Editora Perspectiva, São Paulo, 2001.

VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. Porto Alegre: L&PM, 2001.

DESCONTEI O CHEQUE JUNTO AO BANCO OU COM O BANCO?

As locuções junto a, junto de são sinônimas, invariáveis e significam perto de, ao lado de:
    A bola passou junto à trave (perto, ao lado da trave).
    A loja fica junto ao viaduto (perto, ao lado do viaduto).
    Jorge comprou chácara junto (perto, ao lado) à minha.
    Esperei o socorro junto (perto, ao lado) do carro.
No entanto, ninguém desconta cheques junto ao (ao lado do) banco. Nem pede providências junto à (perto da) prefeitura. Descontamos cheques com o Banco. Pedimos providências para a prefeitura.
O português falado no Brasil está sempre sendo modificado, moldado pelas necessidades dos usuários. Assim, junto a, junto de ganhou novos significados. Passou a substituir as preposições [com, para, em, de].  Cometer erros de na fala do cotidiano é muito comum, mas no texto formal é necessário que observemos as regras gramaticais. Por isso, ao escrever evite o uso de junto a, junto de com outro sentido que não seja [perto de]. Fora isso, use a preposição que o verbo exigir (com, para, em, de, etc.). Será mais simples e mais claro você dizer ou escrever:
    Estava em negociações com o Banco. (em vez de: junto ao Banco)
    Adquiriu do Santos o passe do jogador. (e não: junto ao)
    Ele levará a notícia para a associação de bairro. (e não: junto a)
    A decisão repercutiu mal entre os brasileiros. (e não: junto aos)
    Conseguimos autorização da prefeitura. (e não: junto à)
    O vereador levará a notícia para associação de bairro.
Junto a, no entanto, pode equivaler a: adido a. Veja:
    O embaixador brasileiro junto (adido) ao Vaticano deixa o cargo.
  O ex-presidente foi nomeado embaixador junto (adido) ao governo italiano.
Junto com é redundância, pois equivale a juntamente com. Melhor usar apenas [com]:
    Os empresários participaram da festa com os sindicalistas. (e não: junto com)
    Saiu com o diretor. (e não: junto com) ®Sérgio.