Era uma vez um advogado muito velhaco e sabido como não havia outro. Ninguém o enganava e ele gabava-se de haver "engazopado" toda a gente com quem tinha negócios.
Era já sabido, naquela época, que alma de advogado não entrava no céu. Mas como o causídico era fino como um rato e não havia notícia de jamais haver perdido uma demanda, quando morreu foi bater à porta de S. Pedro.
O santo mal abriu à porta e deu de cara com ele, recuou espantado da tamanha ousadia.
— Não se espante, meu Santo, quero entrar no céu. Estou arrependido, venho suplicar a sua misericórdia.
— Impossível, respondeu São Pedro. Siga o teu destino, já que foi o maior velhaco de tua região.
Mas, o advogado tanto fez e aconteceu que o santo lhe dirigiu a seguinte proposta:
— Permito que entre no "quarto" das almas, às escuras, e da lá me traga a alma de Adão. Se conseguir, visto que é esperto, entrara no céu.
Assim se fez. E daí a pouco voltou o advogado com a alma de Adão.
São Pedro que queria apenas brincar com ele, ficou muito admirado daquele feito, e exclamou:
— Mas como conseguiu descobrir essa alma em meio de milhões de outras!?
O bacharel respondeu:
— É que não sou tolo, meu Santo. Estando todas as almas nuas, fui apalpando e quando encontrei a que não tinha umbigo, já sabia ser de Adão que, como reza a Sagrada Escritura, não nasceu. Não podia, por isso, ter umbigo.
São Pedro, nada tendo de responder, deixou o advogado entrar no céu. E foi assim que, pela primeira vez, entrou no céu uma alma de advogado (¹).
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(1) Este conto foi parafraseado de uma lenda que corre em variantes na França, na Espanha, em Portugal e, em outros países da Europa.