sábado, 22 de maio de 2010

HEITOR E O FILHO DE TÉTIS

"Canto de ira, deusa, a destruidora ira de Aquiles, filho de Peleu, que trouxe incontáveis dores aos Aqueus, e mandou muitas almas valiosas de heróis a Hades, enquanto seus corpos serviam de alimento para os cães e pássaros, e a vontade de Zeus foi feita ..." (introdutório de a Ilíada de Homero)
Aquiles, o maior dos heróis gregos, era filho de Peleu, rei da Riótida, na Tessália. Pela parte de seu avô Éaco, ele descendia de Zeus (há quem diga de Posídon). Os vassalos de Peleu eram chamados de Mirmidões, desde quando Zeus, desejoso de dar um povo a Éaco, transformou uma colônia de myrmex (formigas) em homens. A mãe de Aquiles era Nereide Tétis, neta da Terra e do Mar.
Pois bem, durante nove anos, os gregos estiveram envolvidos em escaramuças com os Troianos sem grandes consequências. No decorrer desse período, os invasores aproveitaram para realizarem expedições às ilhas vizinhas de Tróia e pilharem as cidades. Em uma dessas expedições, Agamêmnon (o rei mais poderoso da Grécia) raptou Criseida, a filha do sacerdote de Apolo, e Aquiles, a bela Briseida, tornando-a sua serva.
No décimo ano de cerco a Tróia, Aquiles e Agamêmnon envolveram-se em uma disputa. Apolo dirigiu uma praga sobre o acampamento grego, que só seria retirada se Agamêmnon devolvesse Criseida ao pai. O rei grego, então, se viu obrigado a entregá-la ao pai; porém, como compensação, exigiu a serva de Aquiles. Enraivecido, o herói grego, decidiu abandonar a guerra e retirou-se para o acampamento, pondo assim em perigo a causa Grega.
Pátroclo, primo e possível amante de Aquiles, pediu-lhe que permitisse liderar os Mirmidões, na batalha que se fazia iminente. Pediu, também, emprestada a armadura de Aquiles; usando-a, espalharia o terror nas linhas troianas, pois iriam tomá-lo por Aquiles. Este concordou e Pátroclo partiu, lutou, e foi morto por Heitor, o melhor guerreiro troiano, filho de Príamo (rei de Troia).
Ao receber a notícia da morte de Pátroclo, Aquiles ficou enlouquecido de dor. Esqueceu a sua rixa com Agamêmnon, e só pensava em vingar a morte do primo. Sua mãe veio até ele e prometeu-lhe uma nova armadura para substituir a que ficou na posse de Heitor. Tetis encarregou Hefesto, o deus-ferreiro, de lhe forjar uma nova armadura. Assim, Aquiles e os Mirmidões conseguiram empurrar os troianos para dentro da muralha da cidade. As vítimas de Aquiles foram tantas que entulharam o leito do rio Escamandro. Mas é Heitor que Aquiles quer. E Heitor não viu alternativa, senão enfrentar Aquiles em duelo.
Quando o filho de Tétis, sombrio, olhar fulgurante, monstruoso dentro da nova armadura, surgiu diante de Heitor, este se aterrorizou e tentou fugir. Aquiles, porém, o perseguiu por três voltas ao redor das muralhas de Tróia. Na terceira volta, a deusa Atenas resolveu intervir. Assumindo a forma do irmão favorito de Heitor, Deífobo, convence-o a enfrentar Aquiles.
Antes que o duelo começasse, Heitor pede a Aquiles um pacto: que o vencedor respeitasse o cadáver do vencido, permitindo que o corpo fosse resgatado após a morte para que tivesse um funeral digno. Aquiles, furioso por Heitor ter matado Pátroclo, diz-lhe que não há pacto entre presa e predador. Dito isso, partiu, insano, para o duelo. Com a lança, fere mortalmente Heitor na garganta (a única parte desprotegida de armadura), que cai ao chão, mal podendo falar. Entretanto, compreendendo que ia morrer, com grande esforço, volta a implorar que Aquiles permita que seu corpo seja devolvido a Tróia para ser devidamente velado. Aquiles novamente nega-lhe o pedido, e lhe diz que seu corpo será pasto de cães e abutres, enquanto o de Pátroclo será honrado. Depois, mais uma vez, atravessa a garganta de Heitor com a lança. Assim morre o bravo Heitor diante de seus entes queridos, desmanchados em lágrimas e lamentos, que a tudo assistiram de dentro das muralhas.
Aquiles, então, amarra o corpo de Heitor - pelos calcanhares - atrás de sua biga e o arrasta ao redor das muralhas da cidade, para que toda Troia pudesse ver. Feito isso, arrasta-o até ao acampamento grego e joga-o em frente de sua choupana. A seguir, prepara um esmerado funeral em honra a Pátroclo. Uma grande pira foi construída; sobre ela ovelhas, bois, os quatro cavalos e dois dos cachorros de Pátroclo são sacrificados e suas carcaças empilhadas ao lado de seu corpo. A pira ardeu durante toda a noite. Nos dia seguinte, os ossos de Pátroclo foram coletados e colocados numa urna dourada, e um grande monte foi erguido no local da pira. Todo dia ao amanhecer, Aquiles arrastava por três vezes o corpo de Heitor ao redor do monte, que até mesmo os deuses ficaram chocados com isso. Tanto que Zeus enviou Íris (mensageiro dos deuses) a Tróia para instruir Príamo, pai de Heitor, a ir durante a noite, secretamente, pedir a Aquiles o corpo do filho.
Escoltado por um mensageiro ele veio escondido ao acampamento e, sem ser percebido, chegou à tenda de Aquiles. Jogando-se aos pés do herói grego, implorou que lhe fosse permitido levar a Tróia o corpo de seu filho, para que pudesse ser adequadamente pranteado e enterrado. O apelo foi tão comovente que choraram juntos. Aquiles, então, concede o salvo-conduto a Príamo. Ainda mais: promete-lhe trégua pelo tempo que fosse necessário para a realização do funeral de Heitor. Príamo leva o corpo do filho de volta a Tróia, onde são prestadas as honras fúnebres ao príncipe e maior herói troiano. ®Sérgio.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O DELEGADO, O BÊBADO E OS DIABOS - Recontando Contos Populares

Um amigo, que por alguns anos atuou como delegado em uma cidadezinha do interior, narrou-me esse "causo". Eu não sei se o acontecido é verdadeiro ou não; certo é que poderia ser. Mas “assim ou assado”, eu lhes conto, com minhas letras o que dele ouvi.
Havia, dentro do cemitério dessa pequena cidade, uma figueira "lotada" de frutos. Dois irmãos, seduzidos pelos figos, decidiram entrar no cemitério, na calada da noite, e pegar uma porção de figos. Pois então..., pularam o muro, aproximaram-se da figueira e o irmão mais velho subiu na árvore, enquanto o mais novo ficou embaixo para "catar" os figos que o mais velho deixava cair lá de cima.
E vêm, e vêm figos. De repente o irmão mais novo grita para o mais velho:
— Mano! Dois figos caíram do lado de fora do muro.
— Não tem importância, depois que a gente terminar aqui, pegamos os outros.
E vêm figos. Terminada a colheita, o mais velho desceu da árvore e com o mais novo, começou a repartir o resultado da coleta:
— Um pra mim, um pra você; um pra mim, um pra você; um...
E assim, cada qual ia colocando os figos em suas respectivas sacolas.
Segundo a crença de nossos sertanejos, a figueira é planta do diabo. É tido como certo que nas figueiras há reunião de demônios que ali fazem suas orgias. Então, um bêbado que passava do lado de fora do muro, escutou aquela conversa de "um pra mim, um pra você"; para ter certeza de que não estava imaginando coisas, parou e escutou novamente: "um pra mim, um pra você". Não deu outra, lançou-se numa carreira despinguelada até a delegacia da cidadezinha. Chegou quase sem fôlego, mas teve força suficiente para dizer ao delegado:
— Doutor, vem comigo! Os diabos estão no cemitério, debaixo da figueira, dividindo as almas dos mortos!
O delegado, suspeitando ser conversa fiada de cachaceiro, ameaçou-o de prisão caso não saísse, imediatamente, da delegacia. Ao que o bêbado respondeu:
- Juro Doutor! Juro por Deus que é verdade! Vem comigo!
Diante de tanta insistência, o delegado resolveu acompanhar o bebum. Foram até o cemitério, chegaram perto do muro e escutaram a repartição dos irmãos:
- Um pra mim, um pra você... Um pra mim, um pra você...
O delegado um tanto assustado exclama:
- Ora essa! É verdade! Eles estão dividindo as almas dos mortos!
Mal o delegado acabara de falar, os dois irmãos terminam a divisão dos figos; então o mais novo pergunta ao mais velho:
— Pronto, acabamos. E agora?
— Agora, a gente vai lá fora e pega os dois que estão do outro lado do muro…
O resto da história vocês podem imaginar, foi um tal de salve-se, quem puder. ®Sérgio.

REFLEXÕES SOBRE A CRÔNICA

"A crônica é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão de cozinha." (CÂNDIDO, Antônio. A vida ao rés do chão. Em: Para gostar de ler: crônicas, volume 5. São Paulo, Ática.
Antonio Candido de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 24 de julho de 1918) é poeta, ensaísta e professor. Recebeu os prêmios:  Intelectual do Ano 2007, conferido pela UBE - União Brasileira de Escritores, em 2008, e O Prêmio Juca Pato que agracia o intelectual que mais se destacou no ano anterior.
"A estrutura da crônica é uma desestrutura; a ambiguidade é sua lei. A crônica tanto pode ser um conto, como um poema em prosa, um pequeno ensaio, como as três coisas simultaneamente. Os gêneros literários não se excluem: incluem-se. O que interessa é que a crônica, acusada injustamente como um desdobramento marginal ou periférico do fazer literário, é o próprio fazer literário. E quando não o é, não o é por causa dela, a crônica, mas por culpa dele, o cronista. Aquele que se apega a notícia, que não é capaz de construir uma existência além do cotidiano, este se perde no dia-a-dia e tem apenas a vida efêmera do jornal. Os outros estes transcendem e permanecem." (PORTELLA, Eduardo. Visão prospectiva da literatura brasileira, 1979, p. 53-4. In: Vocabulário técnico da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1979.)
Eduardo Mattos Portella (Salvador, 8 de outubro de 1932) é crítico, professor, escritor, conferencista, pesquisador, pensador, advogado e político brasileiro. Pertence à Academia Brasileira de Letras.
®Sérgio.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

OS REMÉDIOS DO AMOR E O AMOR SEM REMÉDIO

"O que é o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreendê-lo, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir em palavras o seu conceito? [...]. Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, então o tempo? Se ninguém me perguntar, eu o sei; se quiser explicá-lo a quem me fizer a pergunta, já não sei." (Santo Agostinho. Confissões, p.322.)
Há muito tempo, quando meu ser despertava para as letras, folheava um livro sobre nossa Literatura e, em dado momento, meus olhos fixaram-se sobre um texto do Padre Antônio Vieira. Já no primeiro parágrafo de leitura, senti-me tomado de emoção e, também de admiração, ao perceber que tinha em minhas mãos algo realmente maravilhoso. Assim, sempre que me é dada a oportunidade, procuro repassá-lo, na esperança de que os mesmos sentimentos que transpassaram meu coração, transpassem outros também.
OS REMÉDIOS DO AMOR E O AMOR SEM REMÉDIO¹
[...].Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore quanto mais a corações de cera! São as feições como as vidas, em que não há mais certo sinal de haverem durado pouco, do que terem durado muito. São as vidas como linhas espirais, que partindo do centro, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão vigoroso que chegue a ser velho. De arco e flecha que lhe armou a natureza, desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco com que já não mais atira; embota-lhe a seta, com que já não mais fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda essa diferença, é, porque o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem mais as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Padre Antônio Vieira (1608-1697), Sermão do Mandato, parte III, in Sermões (1643).
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1 – Título Fantasia. (N. T.)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

QUEM SOU?

Sou matéria e espírito.
Sou finito e infinito.
Sou transitório e definitivo.
Sou provisório e permanente.
Sou mortal e imortal.
Sou terreno e celestial.
Sou o oximoro, o paradoxo, a antítese divina.