Contam que um conhecido político, muito
chegado a uma falcatrua - que já tinha passado pela vereança e agora era sua
excelência deputado e presidente duma tal comissão de ética -, certo dia, num
bate-boca com seus pares, subitamente, sentiu-se mal e bateu as botas. Morto, não teve conversa, foi direto para o
inferno. Lá chegando, foi logo pedindo uma audiência com o Diabo e explicando:
— Companheiro Diabo, lá embaixo eu era
amigo duns caciques e de outros que já vieram a minha frente e estão, agora,
articulando politicamente em causa de vossa excelência. Portanto, eu lhe
pergunto: qual vai ser meu gabinete aqui, no inferno?
O satanás, muito calmo,
lhe explicou que o inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um
administrado por um país, porém o nobre colega não precisava ficar no
departamento administrado pelo país de origem dele. Podia ficar no departamento
do país que escolhesse. O deputado falecido agradeceu muito e tratou de dar uma
voltinha para escolher o departamento e quem sabe reencontrar velhos amigos.
Não andou uma quadra e
deu com o departamento dos Estados Unidos; pensou que um gabinete ali seria um
grande negócio, pois este deveria ser o departamento mais organizado do inferno
e lhe daria grandes privilégios. Entrou no departamento e perguntou como era o
regime ali.
— Pela manhã, depois de
passar três horas num forno a trezentos graus, trezentas chibatadas. Na parte
da tarde: ficar numa geladeira a 200 graus abaixo de zero durante três horas, e
voltar ao forno de trezentos.
O deputado ficou
abestalhado. Isso não era tratamento que se dava a um deputado falecido. Puro
preconceito e perseguição política dos gringos. E nossa excelência tratou de
cair fora dali. Passou pelo departamento português, italiano, russo e japonês;
tudo igual, em todo o lugar era o mesmo: chibatadas e forno pela manhã,
geladeira e forno pela tarde. O deputado falecido chegou à conclusão que não
tinha privilégio no inferno e lamentou ter morrido antes de chegar a ser
senador.
Caminhava desconsolado,
quando viu um departamento, no qual uma placa acima do batente, ostentava o
nome: Brasil. Aproximou-se e notou uma imensa fila à porta do departamento,
coisa que ele não tinha visto em nenhum outro. Logo pensou: "aqui tem
coisa". Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente,
perguntando por que ali havia fila e ninguém reclamava de nada. O pecador da
frente fingia não ouvir, mas ele tanto insistiu, que o da frente, com medo de
despertar a atenção dos serviçais do diabo, disse baixinho:
— Fica na tua e não
espalha não. O forno daqui tá quebrado, não funciona; a geladeira, quando
funciona não passa dos trinta graus.
— E as trezentas
chibatadas? Perguntou a excelência.
— Capaz... O
funcionário encarregado desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e sai
fora.
Salve-se quem puder! ®Sérgio.
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Nota: Este causo já percorreu o Brasil. Mas, acho que não faz mal contá-lo
aqui, a meu modo; pois estou certo de que pelo menos um leitor há de me
agradecer a lembrança.