— Esta peste é um
castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina
sacrificando aos deuses um de nós.
— Qual? – perguntou o
leão.
— O mais carregado de
crimes.
O leão fechou os olhos,
concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
— Amigos! É fora de
dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei
centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me,
pois, para o sacrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e
disse:
— Acho conveniente
ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa
Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso
virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos
abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como
impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em
seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra
que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com
todas as outras feras.
Nisto chega à vez do
burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
— A consciência só me
acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais
entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
— Eis amigos, o grande
criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na
investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não
pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada
concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício. (Monteiro
Lobato, Fábulas.)
Moral
da Estória: Aos poderosos, tudo se desculpa… Aos miseráveis, nada se
perdoa. ®Sérgio.