Cícero e Rosângela
formavam o mais belo casal do vilarejo. Seus pais moravam em casas adjacentes,
o que aproximou os dois jovens e a amizade logo se transformou em amor.
Tudo seria maravilhoso
se os seus pais não fossem brigados. Assim, a namoro de Cícero e Rosângela foi proibido.
Uma coisa, contudo, não podiam proibir: que o amor crescesse com a mesma paixão
no coração dos dois jovens. Conversavam por sinais ou por meio de olhares. No
muro que separava as duas casas havia uma fenda. Ninguém havia notado antes,
mas os jovens notaram. A fenda permitia a passagem da voz; e mensagens amorosas
passavam nas duas direções. Quando à noite chegava e tinham de dizer adeus,
apertavam o lábio contra a parede, ela do seu lado, e ele do outro, já que não
podiam aproximar-se mais.
Numa manhã os dois
encontraram-se no lugar de costume. E, então, combinaram que, na noite
seguinte, quando todos estivessem dormindo, fugiriam. Encontrar-se-iam debaixo
de uma imensa e antiga amoreira branca, bem ao lado da fonte, fora dos limites
do vilarejo. Combinaram que aquele que chegasse primeiro esperaria o outro.
Então, naquela noite, tão
logo todos dormiram, Rosangela ergueu-se, cautelosamente de sua cama e sem ser
observada pela família, cobriu a cabeça com um véu e, deslizando furtivamente
pela janela, deixou sua casa. Caminhou até a amoreira e sentou-se embaixo da
árvore e assim, sozinha, permaneceu por um bom tempo, até que de repente avistou
uma onça, que com a boca ensanguentada por uma presa recente, aproximou-se da
fonte, que havia perto da amoreira, para matar a sede. Rosângela, assustada,
esgueirou-se por trás da árvore e fugiu a procura de um refúgio. Na presa,
entretanto, deixa cair o véu. A onça depois de saciar a sede na fonte virou-se
para voltar à mata, e, ao ver o véu no chão, começou a brincar com ele até
reduzi-lo a um monte de tiras ensanguentadas.
Cícero que se atrasara,
aproximou-se do local de encontro. Viu na areia as pegadas da onça, e o sangue
fugiu-lhe das faces. Logo em seguida encontrou o véu, espedaçado e sujo de
sangue. Apanhou-o e levando até a árvore onde fora combinado o encontro, e
cobriu-lhe de beijos e lágrimas.
— Meu sangue também
manchará teu tecido – exclamou.
E arrancando seu punhal
da bainha, enterrou-o em seu próprio coração. O sangue esguichou da ferida, e
penetrando terra adentro, pelo caule da amoreira, atingiu suas raízes, de modo
que a cor vermelha subiu, através do tronco até os frutos.
Enquanto isso,
Rosângela, ainda tremula de medo, saiu cautelosamente de seu refúgio, a procura
de Cícero, ansiosa por contar-lhe o perigo que atravessara. Chegando ao local e
vendo a nova cor das amoras, duvidou que estivesse no mesmo lugar. Enquanto
hesitava, avistou um vulto que agonizava. Um temor percorreu-lhe todo o corpo.
Reconheceu Cícero, gritou e abraçou o corpo sem vida de seu amante. Avistando a
bainha vazia de punhal, disse:
— Tua própria mão te
matou e por minha causa. Também posso ser corajosa uma vez, e meu amor é tão
forte quanto o teu. Seguir-te-ei na morte. E tu árvore, conserva as marcas de
nossa morte.
Assim dizendo apanhou o
punhal que caíra da mão de Cícero, enterrando-o em seu próprio peito.
E assim ficaram os dois
corpos juntos, unidos como um só. Foram enterrados na mesma sepultura e a
amoreira passou a dar frutos vermelhos, como faz até hoje.
Cícero e Rosângela
separados em vida, foram finalmente unidos pela morte. ®Sérgio.
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Nota
Sobre o Texto.: Este texto é baseado
na história da mitologia grega Píramo e Tisbe. A comédia, Sonho de uma noite de verão,
de Shakespeare e baseado também em Píramo e Tisbe só que de uma forma
divertida.
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