Aqui no sertão quando
se vai levar um defunto para enterrar, não se pode parar para nada. O falecido
tem de estar sempre em movimento. Se os caboclos querem fazer mal a alguém é
parar com o finado na frente da casa dele. Se isso acontecer é desgraça na
certa para os moradores. Por isso, os residentes da casa ficam "de
olho" quando o enterro passa com o finado. Se há a ameaça de parar, até
tiro de carabina é capaz de se dar. Dizem que se deve dar sossego o mais rápido
possível à alma do defunto, para a alma dele não ficar com raiva, vagando pelo
povoado.
A que, numa tarde, seo,
não é que morre o Jaci. E então daí, o falecido tinha que ser enterrado. Logo
apareceram quatro voluntários para carregar o finado até o cemitério. Botaram Jaci
numa rede, passaram uma vara bem grossa e dois a dois foram carregando o
falecido até o campo-santo. Saíram de tardezinha; vencido obra de meia légua, o
sol se some, a noite vêem, e no denso, no escuro não dava para chegar ao
cemitério; então, resolveram descansar e sair de manhazinha, no nascer do sol.
Ajeitaram o falecido
num canto e "puxaram o ronco", menos o Dudu que não conseguiu
"pegar no sono", ressabiado observando... A noite ia grossa quando vê
uma coisa que o assustou forte; o falecido se levanta e vem caminhando em
direção aos caboclos, passa por cima deles e segue no rumo do Dudu. Travou-lhe
um medo e o caboclo rompeu nos gritos:
— Ara, mas será
possível, meu senhor?! Pra cima de mim não! Por amô de Deus, Dudu! Vai pro seu
corpo, diabo! Cruz credo!...
O berreiro do Dudu
acordou os outros caboclos, que foram logo pedindo uma explicação para aquela
vozearia toda. Dudu explicou bem explicadinho o acontecido e todos ficaram com
"a pulga atrás da orelha". Um dos caboclos, preocupado diz:
— A, pois gente! Isso é castigo de Deus.
O morto num descansou até agora porque a gente num enterrô ele, que deve tá
puto da vida com agente! E o pior é que ele passou por riba de nós, sô! Isso é
mau sinal. Queira Deus que certas coisas que o povo fala seja só pra
assustar...
Um dos caboclos, um
tanto incrédulo, tenta acalmar:
— Bobices, gente! Larga
mão disso! Quem morreu, morreu! Num volta mais. O Dudu tava era com sonhação! Daquela
hora pra frente ninguém mais dormiu.
Beirando aí às oito
horas da manhã, os caboclos chegaram com o corpo frio e duro do Jaci no
cemitério. Enterraram. Passaram num boteco para molhar a goela e se mandaram de
novo, estrada a fora, cada qual pro seu canto.
Dê daí, compadre; o
Dudu naquele ano teve, de uma feita, que fazer o enterro de mais quatro
caboclos. Quem havera de supor! ®Sérgio.