Tinha o vigário olhos
perscrutadores, vivos e buliçosos; era rosado, gordo e satisfeito; muito
vagaroso na missa e rápido na mesa; queridíssimo dos paroquianos da
cidadezinha. Não teria maiores problemas com seus fiéis, não fosse o mistério
da caixinha de Santo Antônio.
Tudo começou no dia em
que ele mesmo resolveu colocar, na caixinha, uma notinha de vinte reais,
novinha em folha. É que seus paroquianos não contribuíam muito para a caixinha
que ficava ao pé da imagem de Santo Antônio e então tratou de colocar ali a
nota de vinte, na esperança de servir de chamariz.
E qual não foi o
espanto e depois o susto, quando no dia seguinte, ao recolher as contribuições,
notar que, infelizmente, os vinte reais da caixinha desapareceram. Alguém (e
não fora o santo) passara a mão no dinheiro antes do vigário.
Aquilo era grave. Desde
que fora designado para aquela paróquia nunca tivera um caso de roubo na
igreja. A caixinha de Santo Antônio era a que ficava mais perto da porta e isso
devia ser a causa de estar sempre vazia. O ladrão acostumara a roubá-la. Devia
estar fazendo isto há muito tempo, o que explicava, então, a falta de
contribuição; não era omissão de seus paroquianos.
Recolhido no seu silêncio,
o vigário "bolava" um jeito de avisar o ladrão de que já sabia das
gatunices. Que podia fazer? Chegou à conclusão de que a melhor maneira seria no
sermão de domingo, mas não devia magoar os fiéis com a notícia de que na
comunidade, havia um gatuno de igreja. Isto poderia tirar o sossego da pacata
cidadezinha.
O padre fez o sinal da
cruz, atravessou o átrio para dizer a missa. Na hora do sermão pigarreou,
lançou em cheio a vista sobre o povo de fieis que assistia à missa, e contou
que Santo Antônio lhe aparecera em um sonho para agradecer a certo cristão que
deixava uma esmola gorda para os pobres e ainda "limpava" a caixinha,
possivelmente em sinal de amor e gratidão a Deus.
Terminado o sermão
ninguém notou que o verbo "limpar" tinha sido usado com segundas
intenções, mas o padre tinha certeza da que o ladrão se "mancara".
Mais cedo ou mais tarde, arrependido, viria se confessar.
Certa manhã, o padre
viu chegar o velho que tomava conta da estação. Era um negro forte, de cabelo
grisalho, muito tranquilo até a hora de largar o serviço, ocasião que entrava
no boteco e enchia a cara. Chegou carregando uma bruta bandeja. Parou na frente
do padre e explicou:
— Seu vigário, eu
também andei sonhando com Santo Antônio.
— Não me diga! –
exclamou o padre, fingindo surpresa, entretanto, certo de que aquele era o
ladrão, com remorsos.
— Mas é verdade padre.
Sonhei com o santo e soube que ele anda com vontade de comer um leitãozinho. Eu
estava engordando este aqui para o meu aniversário, mas tenho idade bastante
para não comemorar mais nada.
Dito isso, descobriu a
bandeja e o mais apetitoso dos leitõezinhos, assado em forno de lenha,
apareceu. O padre sentiu o cheiro de seu prato preferido, mas aguentou firme e
disse para o nego velho:
— Deixa a bandeja aí na
sacristia que eu entrego o leitão "pro" santo.
O bom ladrão obedeceu.
Deixou a bandeja e voltou para casa em estado de graça. Minutos depois o menino
que fazia, às vezes, o papel de sacristão na igreja batia à porta com um recado
do padre:
— Seu vigário mandou
dizer – falou o moleque – que Santo Antônio esta de dieta e que é "pro
senhô" ir comer o leitãozinho com ele, logo mais.
Foi um jantar pra santo
nenhum botar defeito. ®Sérgio.